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Thalita Reboucas

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Pássaros zangados

Não sou uma adulta afeita a joguinhos eletrônicos. Na infância gostava do Telegame, o avô de todos os videogames. Depois ganhei um Atari e passei tardes inteiras agarrada ao controle remoto, criando calos nas mãos com o carro do Enduro, os bonequinhos do PacMan, o sapinho do Frog e com um policial que corria atrás […]

Por thalita
Atualizado em 25 fev 2017, 18h54 - Publicado em 28 out 2013, 15h02

Não sou uma adulta afeita a joguinhos eletrônicos. Na infância gostava do Telegame, o avô de todos os videogames. Depois ganhei um Atari e passei tardes inteiras agarrada ao controle remoto, criando calos nas mãos com o carro do Enduro, os bonequinhos do PacMan, o sapinho do Frog e com um policial que corria atrás do ladrão numa loja de departamentos pulando obstáculos — o nome deste jogo não lembrarei nem sob tortura. Envelheci e naturalmente deixei para trás esse tipo de entretenimento.

Não ousei me meter com o tal do Candy Crush (ouço histórias terríveis sobre o vício que ele causa) e sequer dei bola para o karaokê de Glee — e olha que me acho afinadíssima. Meus amigos não concordam, mas eles não têm ouvido.

O máximo a que me permito é uma paciência, vez ou outra. Só. Mas esse desprezo começou a mudar de figura quando vi meu marido, o ser humano que menos aplicativos tem no celular, a pessoa que mais ignora joguinhos e afins, se atracar com uns passarinhos idiotas que matam porquinhos verdes estúpidos. Era o tal do Angry Birds. Depois de me sentir várias vezes um lixo ao vê-lo dar (muito) mais atenção aos pássaros zangados do que a minha sempre fofa pessoa, resolvi saber do que se tratava.

– Você não acha que está velho pra perder tempo com um joguinho de criança?
– Tá louca? Angry Birds é estratégia pura.

Estratégia pura? Quase tive uma síncope.

– Que estratégia? A Bia tem isso no celular dela! – reagi, referindo-me à Beatriz, meu doce de candura e afilhada de oito anos de idade.

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– A versão pra criança, né, amor?
– Isso que você joga é a versão pra adultos?
– É a versão para todos que não são crianças! – respondeu, empolgado. E finalmente me chamou para conhecer seus novos amiguinhos. – Vem ver que máximo!

Apostei mentalmente comigo mesma que sua próxima frase seria “É irado!”. Não foi. Ufa! Meu marido ainda estava lá, não tinha virado um adolescente viciado em jogos bocós.

– Por que os passarinhos querem matar os porcos? – fui logo perguntando.
– Porque os porcos roubaram os ovos dos pássaros. É uma vingança, entendeu?

Argumento entendido. Coerente e conciso. Prossegui.

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– Mas você acha normal passar horas da sua vida sendo antipático e antissocial com a pessoa que mais te ama no mundo por causa de um jogo ridículo desses?
– Arrã – respondeu, enquanto matava com o pássaro amarelo três porquinhos de uma só vez, para logo depois soltar um felicíssimo e irritante “Yessss!”.

Fiz cara de tédio diante da comemoração infantil e pedi para ele aumentar o som.

– Não dá. Os porquinhos são debochados, ficam rindo quando os pássaros erram, e isso incomoda quem está do lado. Melhor deixar no silencioso para poder jogar em qualquer lugar.

Achei interessante o deboche dos porquinhos e tudo o mais, mas continuei firme na ideia de que Angry Birds era a coisa mais idiota que já entrara no meu raio de visão.

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– Você acha que um negócio que faz um enorme sucesso mundial seria idiota? Resolvi testar para entender o que esse jogo tem que fascina tanta gente.

Ok. Para o Cao era uma questão praticamente antropológica, uma pesquisa.
– Então viciei. É genial – acrescentou.

Opa! Genial. O Cao usou a palavra “genial” para descrever Angry Birds. O Cao.
Grave.

Baixei o aplicativo grátis para tentar compreender o que tanto atraía meu marido e todo o resto do mundo. Quando dei por mim, estava mais viciada que ele. Acabei comprando depois de gabaritar a versão grátis (sim, sou incrível na arte de atirar pássaros contra porquinhos) e quando erro a mira me pego dizendo coisas como:

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– Não é possível! Esse jogo não pode ser inverossímil assim!
– Você está mesmo citando verossimilhança e Angry Birds na mesma frase?
– Claro! Impossível um porco não morrer porque fica apoiado num cubo de gelo pela bochecha! Quem é que é salvo da morte pela bochecha? Quem? E que cubo de gelo é esse, que não derrete?
– Amor, pássaros não matam porcos na vida real. Isso é um jogo.
– Mas está errado! Isso me deixa irritada! Muito irritada! Esses porquinhos são uns fil…
– Calma, respira… – disse ele.
– E por que só ganhei duas estrelas? Eu fui ótima, matei todos os porquinhos e ainda sobraram dois passarinhos, eu tinha que ter ganhado três estrelas!

Ele saiu de perto balançando a cabeça, como se eu fosse uma maluca.

Talvez eu seja um pouco. Ou muito maluca. Mas estou cada vez mais entrosada com os adoráveis assassinos de porcos. Tem até um pássaro-bomba! Adoro quando ele explode.
Nunca mais critiquei o Cao e seus passarinhos muito, muito bravos. E pelo meu bom comportamento, ganhei dele um vermelho gordo de pelúcia e uma caixa de som feita à imagem e semelhança do preto-bomba — presentes suuuper-adequados aos meus quase 40 anos, eu sei. Mas o meu angry bird preferido ainda é o amarelo. Ele é tão rápido e tão enfezado!

OK, talvez eu esteja precisando começar logo meu próximo livro. É, melhor fazer isso para não enlouquecer. Mas antes tenho que matar esse porco que fica pendurado pela bochecha. Enquanto ele viver, não conseguirei ter paz.

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