Há quem não entenda o conceito de privacidade, outros ignoram o de cidadania. Renata não entende o conceito de pressa. Amiga minha há muitos anos, não é de hoje que sou surpreendida por telefonemas assim:
– Gata, pode falar rapidinho?
Ah! Renata também não entende o conceito de “rapidinho”. E chama de gata todas as amigas, sem exceção.
– Estou entrando no chuveiro, atrasadérrima.
– Beleza, é rapidinho. Gata, estou atrás de gente de circo, sabe? Cuspidor de fogo, malabaristas, esse povo que se pendura em tecido… Você conhece alguém?
Enquanto a água caía no box, eu me perguntava por que diabos ela achava que EU conheceria algum desses profissionais.
– Pra que você precisa disso?
– Pra festa da Maria Júlia.
– Mas o aniversário dela não é daqui a seis meses?
– É, e a festa é daqui a sete, mas já estou planejando tudo.
– Então você não precisa disso agora. Depois te ligo, estou atrasada.
– Tá bem, antipática.
É, Renata costuma ficar revoltada quando uma amiga não pode sacar imediatamente o telefone de um cuspidor de fogo. Mas esse não foi o pior caso.
– Gata, pode falar rapidinho?
Com o tempo, aprendi que não bastava estar atrasada para não ser tachada de imprestável por uma amiga querida.
– Estou em reunião. É urgente?
– É!
– Fala.
– Você que vive em festa, me dá uns nomes de DJs.
– Ok, faço isso mais tarde. Um beij…
– Jura? Não pode ser agora, gata? É pra festa da Maria Júlia.
– Renata, não conheço DJ de pirralho. Conheço DJs para a nossa idade.
– Mas tem diferença?
– Claro, mas não posso discutir isso agora – sussurrei, irritada. – Estou na frente de três pessoas que nunca vi na vida, tentando fechar um contrato. A gente se fala mais tarde.
– Mas manda mesmo os nomes, hein, gata? Quero um DJ que não seja muito caro e que traga junto a iluminação. Por que DJ sem luz não rola né, gata? Outo dia, fui numa festa que a luz era ridícula, inexistente… Acredita nisso? Mas o brigadeiro você ia amar, derretia na boca, estou até pensando em chamar o mesmo bufê pra Maria Júlia. Você sabe quanto tá um bufê pra uma festa de adolescente, gata? Porque a da…
– Beijo, Rê!
– Grossa!
Essa é minha amiga Renata. Pensa que ela melhora com o tempo? Nananina.
– Gata, pode falar rapidinho?
– Não. Estou chegando em um lançamento, está uma fila enorme e ainda tenho que dar entrevista pra uma rádio antes de começar a autografar.
– Ah, gata, o que é que custa falar comigo rapidinho? Estou num engarrafamento horroroso, sem nada pra fazer, só quero companhia!
– Rê, a entrevista pra rádio é ao vivo.
– Já entendi, o sucesso subiu à cabeça e você não liga mais para nós que te aturamos há tanto tempo.
– Também te amo!
Desliguei. E não ouvi, mas tenho certeza que ela me xingou.
Numa tarde qualquer…
– Gata, pode falar rapidinho?
Putz. Não podia. Estava só atrasada para a terapia, mas resolvi inovar:
– Estou presa numa asa-delta, sou a próxima na fila para saltar num voo duplo da Pedra Bonita. Não posso falar!
– Mas é rapidinho! Onde é que eu mando fazer filipeta?
Inacreditável. Mas como a resposta era fácil, agi com ternura.
– Numa gráfica, Renata.
– Ótimo. Você tem o telefone?
A minha vontade foi responder: “você tem Google?”, mas eu ia novamente ouvir impropérios contra minha sempre solícita pessoa.
– Não, Rê. Não tenho. E como te disse, o momento agora não é o mais apropriado para eu catar telefones de gráfica pra você.
– Não precisa dar agora, manda por torpedo. Mas não demora, porque preciso resolver isso logo. É pra tia de uma amiga da minha mãe que vai fazer um bazar.
– Quando?
– No Natal.
– A gente está em agosto, Renata! Beijo!
– E você se diz fofa… Quem não te conhece que te compre! – disse, arrematando com um irritadíssimo: – Beijo!
Que tal?
A última foi pior.
– Gata, pode falar rapidinho?
Estava em casa ansiosa para ver o primeiro episódio da terceira temporada de Downton Abbey, pipoca no colo, faltava um minuto para a série começar. Precisava de uma desculpa com mais sustância para desligar rápido e não ser chamada de antipática, grossa e outros carinhos.
– É rapidinho mesmo? Porque hoje tem que ser! – avisei, antes de botar toda a minha criatividade pra fora: – Bateram no meu carro, o pneu furou, estou aqui brigando pra montar o triângulo, estressada com o cara que amassou minha traseira, pegando chuva, a mão cheia de graxa e todo mundo buzinando e me xingando. Posso te ligar depois?
– Não! É rapidinho! Você lembra quando a gente tinha uns 19 anos e você comprava roupas de malhar com uma menina chamada Carol, que morava no Recreio, que a mãe era dona de academia?
Ela se supera a cada telefonema.
– Arrã.
– Menina, sabe que encontrei com ela outro dia e ela disse que não se lembra de você? Falei horas com ela, casou com aquele cara com pinta de cafetão que a gente achava péssimo e teve gêmeas com ele. Adivinha os nomes?
– Rê, eu tô num momento delicad…
– Tábata e… Tha-li-ta. Agora me diz como é que ela dá pra filha o SEU nome e não se lembra de você, gata? Fiquei indignada, precisava te ligar.
Essa é a minha amiga Renata. Que eu amo pra sempre. E que me faz rir há mais de 20 anos.