O arquipélago das Cagarras adorna o horizonte de cariocas.
As ilhas estão sempre lá, a ilustrar o infinito de quem deixa os olhos descansarem no mar do Leblon ou de Ipanema. Ou marejarem mesmo, se encherem de mar.
É nosso monumento natural, metafórico e literal, como um conjunto majestoso e diverso de ilhas que nos impacta mais que estátuas e obeliscos da cidade e, também, na condição de uma unidade de conservação que leva este bonito título.
Dias atrás, as Ilhas Cagarras e águas do entorno ganharam o título de Ponto de Esperança, ou Hope Spot, dado por uma aliança de conservação marinha chamada Mission Blue, em reconhecimento a atributos como relevância biológica, econômica e cultural, além da indução a reversão de realidades. Em outras palavras, o selo é dado a lugares que tragam esperança e inspirem pessoas.
As Cagarras podem mesmo ser a metáfora de nossas necessidades civilizatórias.
As ilhas formam um conjunto que ganha sentido em arquipélago exatamente em sua diversidade, pelas diferenças. Não é preciso ser igual para conviver no mesmo mar.
Tem a Cagarra, a mais exibida e que dá nome ao arquipélago, uma bela escultura escarpada que, vejam só, exibe com orgulho um vestido esbranquiçado de guano (fezes) de aves marinhas, ao lado de uma ilha filhote. Tem a Comprida, generosa, que acolhe embarcações que visitam o arquipélago. Tem a Redonda, a mais alta da turma, com 237 metros, dona de um fantástico ninhal de fragatas e adornada por magníficas madeixas de Mata Atlântica, também ao lado de uma ilha filhote; e a das Palmas, que chama a atenção ao vestir um manto inteiro de palmeiras jerivá.
Quantas diferenças, quanta unidade.
As Cagarras são também um totem à vista do cidadão carioca, que simboliza como a gente pode reerguer e dar novo sentido ao patrimônio da nossa própria cidade.
Através do trabalho da turma do Instituto Mar Adentro, que toca o projeto Ilhas do Rio, o arquipélago deixou de ser apenas mais um conjunto de ilhas para ser também um refúgio de espécies ameaçadas de extinção, um sítio arqueológico, um corredor de baleias jubarte, um habitat de cetáceos e a casa de belas aves marinhas. Assim, tornou-se Monumento Natural do Ibama; assim, tornou-se Hope Spot.
A metáfora das Cagarras segue com o poeta inglês John Donne, que disse certa vez: “Nenhum homem é uma ilha.” Tratava-se de uma figura de linguagem para defender a convivência com o próximo, atacar o egoísmo. Ele via o continente como metáfora perfeita da coesão, da união do homem como raça.
Numa nova leitura, de tanto descansar a vista na beleza das Cagarras, vejo-as como corpos insistentes, o sólido no meio do líquido, plenamente capazes de conviver com a enorme diferença que os cercam e inteiramente integradas ao mar e ao continente.
É a ilha como parte de um conjunto muito mais diverso que só um continente, que inclui o que é mar e o que é sólido no meio do mar. Ou como um surfista rodeado pelo oceano, mas conectado a todos os elementos, à espera de uma onda.
Donne, se estivesse vivo e no Rio, descansaria os olhos nas Cagarras. E diria: “Eu sou uma ilha”.
Sobre o autor das fotos 2 e 3 e 4, que ilustram este texto: Carlos Secchin, conservacionista e um dos maiores fotógrafos submarinos do Brasil, é autor de livros como “Mar do Rio”, “Parque Nacional Marinho dos Abrolhos”, “Arquipélago de Fernando de Noronha”, “Ilha Grande” e “Peixes do Brasil”. Já recebeu o Prêmio Nikon International na categoria foto submarina. É também um grande amigo, que compartilha comigo a devoção pelo mar e, claro, pelas ilhas do Rio.