Fosse o carioca um tiquinho mais devoto a seus fenômenos, o vento Sudoeste seria reverenciado como divindade da natureza no Rio de Janeiro. Nossos mirantes seriam altares; a lufada úmida e gelada, uma espécie de brisa benta.
O vento muda a cidade e seus habitantes, em diversas camadas, de diversas formas.
Nesta semana, ele chegou em seu modo tempestuoso, acompanhado de rajadas raivosas que derrubaram árvores, casas, muros e provocaram enormes transtornos aos moradores do Rio. Nem sempre ele se anuncia assim tão contundente, mas, quando isso acontece, nos faz perceber que, algumas vezes, para mudar o estado das coisas (ou do tempo), há uma dura transição.
O Sudoeste dá alguns avisos de sua intensidade. Horas antes de entrar, ele manda para a cidade uma sensação desconfortável de abafamento, trazida por ventos quentes do Norte, conhecidos como terral, que vêm do continente sem uma gota de umidade. É o que meteorologistas chamam de sistema pré-frontal, uma espécie de abre-alas da mudança de tempo na cidade. Outra dica é ficar de olho no que aconteceu na Região Sul do país na véspera – normalmente, as frentes frias causam os primeiros impactos no território brasileiro por aquelas bandas.
A transformação do Sudoeste começa no horizonte, quando o vento nos faz perceber que o Rio é muito mais que sol, suor, calor e praias lotadas. Na esteira da brisa, como se fosse uma calda invisível, chega o ar gelado da massa polar.
Por isso, o Rio do Sudoeste é de livrarias cheias, gostosos cafés, todos os museus, passeio pelo Centro, cinema no meio da tarde e, se não houver chuva, de um passeio sereno pelas calçadas de uma cidade de temperatura amena, temperada.
Um Rio para quem gosta de caminhar sem destino e sem suor. O Rio do flaneur.
O Sudoeste altera humores para melhor, relaxa a tensão imposta pelo calor, abre a possibilidade da troca do chope por um bom vinho tinto em plena faixa tropical, a 22°54’23” de latitude sul e 43°10’21” de longitude oeste.
A direção de vento faz bem também ao pulmão carioca, pois traz a umidade que limpa os poros da cidade, levando para longe partículas em suspensão que nos sufocam em tempos de estiagem.
O Rio precisa ainda da bolha d’água carregada pelo Sudoeste. É um vento que muitas vezes vem acompanhado de chuva, que nos abastece e irriga. Alimenta os rios Paraíba do Sul e Guandu, que chegam tratados em nossas torneiras, e pulveriza água nas serras do Estado – sejam elas de Mata Atlântica ou de solos férteis que cultivam nossos alimentos.
Para o mar, é como uma lavagem milagrosa. A ondulação gerada pelo Sudoeste expulsa o caldo muitas vezes escuro trazido pelas ondulações de Leste e, no lugar, espalha na costa carioca águas límpidas e quentes do oceano. Os mergulhadores do Rio chamam este lindo fenômeno de “água roxa” – a cor, no caso, é explicada pela água com tom de um azul tão forte e intenso que, aos olhos da turma, parece roxo.
Pergunte as fragatas sobre o vento. Basta uma lufada de Sudoeste e elas aparecem na orla, entre Ipanema e Leblon, de asas abertas, num verdadeiro corredor aéreo, surfando no vento contrário. Há quem diga que elas sofrem para voar nessas condições, mas eu sempre penso que estão se divertindo. Ficam por ali, indo e vindo, até o vento permitir que voltem às ilhas.
Ah, as ondas. Para nós, surfistas, o Sudoeste é oxigênio. Traz a ondulação de verdade à cidade, reorganiza o fundo castigado por sucessivas correntes de Leste. É o vento que faz modificar o mar a ponto de o sujeito deitar mais cedo, pedir folga no trabalho.
O sopro serve até ao aficionados em kitesurfe, que em boa parte do ano se divertem com o vento Leste favorável à prática desse esporte na Barra da Tijuca. Com o Sudoeste, o Jardim de Alah, entre o Leblon e Ipanema, vira a Disney das pipas.
É um vento tão transformador que, desta vez, trouxe, junto da chuva e do ar gelado, a amena primavera.
Benção, Sudoeste. Sopre sempre por aqui.
Foto 2 de Carlos Secchin, conservacionista e um dos maiores fotógrafos submarinos do Brasil, autor de livros como “Mar do Rio”, “Parque Nacional Marinho dos Abrolhos”, “Arquipélago de Fernando de Noronha”, “Ilha Grande” e “Peixes do Brasil”. Já recebeu o Prêmio Nikon International na categoria foto submarina. É também um grande amigo, que compartilha comigo a devoção pelo vento Sudoeste.