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Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos
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Châteauneuf-du-Pape, sinfonia de uvas

Por Marcelo Copello   Quem degusta um CdP tem muitos “Papas na língua”. Desculpando-me pela frase cretina, lembro que Felipe IV, o Belo, (1268-1314) rei da França, ao ser excomungado pelo papa italiano Bonifácio VIII, mandou prendê-lo e em seu lugar colocou um conterrâneo seu. Bertrand de Goth, arcebispo de Bordeaux, calçou as sandálias do […]

Por marcelo
Atualizado em 25 fev 2017, 17h33 - Publicado em 28 abr 2016, 13h00
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  • Por Marcelo Copello

     

    Quem degusta um CdP tem muitos “Papas na língua”. Desculpando-me pela frase cretina, lembro que Felipe IV, o Belo, (1268-1314) rei da França, ao ser excomungado pelo papa italiano Bonifácio VIII, mandou

    prendê-lo e em seu lugar colocou um conterrâneo seu. Bertrand de Goth, arcebispo de Bordeaux, calçou as sandálias do pescador em 1305 com o nome de Clemente V e foi o primeiro dos chamados “papas do vinho”. O novo pontífice transferiu, em 1309, a corte de Roma para Avignon, no sul da França, onde a sede do papado manteve-se por quase 70 anos, episódio conhecido como “cativeiro babilônico de Avignon”. Fundador em Bordeaux de um vinhedo que leva seu nome, o Château Pape Clement, o sumo pontífice faleceu em 1314 por ingerir esmeraldas em pó, seguindo prescrições médicas.

    pp

    A meio caminho entre Avignon e Orange, na margem esquerda do rio Ródano (Rhône), a está a pequena vila que dá nome ao vinho, o Châteauneuf-du-Pape, ou “castelo novo do Papa”, residência dos últimos cinco dos Papas de Avignon. O nome típico e as lendas em torno deste vinho, sempre exerceram grande apelo junto ao público. O Châteauneuf-du-Pape (CdP) foi a primeira Appellation d’Origine Contrôlée (AOC) oficial da França, reconhecida em 1936, e marcou época nas asas da Varig nos anos 1980.

     

    Sinfonia de uvas

    Quantas uvas são permitidas no CdP? Errou quem respondeu 13. Quando CdP tornou-se AOC em 1936 13 uvas foram autorizadas. No entanto, algumas castas diferentes compartilham o mesmo nome, como Grenache Noir e Grenache Blanc. Quando contamos todas as variações, chegamos ao surpreendente número de 22 castas!

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    São elas: (tintas) Grenache Noir, Syrah, Mourvèdre, Counoise, Cinsault, Muscardin, Vaccarèse, Picpoul Noir, Terret Noir; (rosadas)  Grenache Rosé, Grenache Gris, Picpoul Gris, Terret Gris, Clairette Rosé, Clairette Gris; (brancas) Grenache Blanc, Picpoul Blanc, Terret Blanc, Clairette Blanc, Roussanne, Bourboulenc e Picardan.

     

    Os tintos, teoricamente, podem ser feitos de qualquer ou de todas as castas, misturando-se tintas e brancas. Na prática 90% dos vinhedos são dominados por  3 castas: Grenache (72%), Syrah (11%) e Mourvèdre (7%).  Embora cerca de duas dúzias de produtores ainda usem todas as demais uvas em seus vinhos, este trio é a base da maioria dos CdP.

    Corte típico

    Um CdP típico é um corte onde a Grenache Noir domina, coadjuvada por Syrah e Mourvèdre. A Grenache proporciona alto teor de álcool, maciez, média intensidade de cor, boa intensidade aromática, aromas frutados, de lavanda, pimenta preta e alcaçuz. A Syrah empresta cor escura, taninos, textura densa, aromas de geleias, bacon, couro, chocolate e violetas; e a Mourvèdre, se caracteriza sua força rústica, muitos taninos, típicos aromas animais, de especiarias e tabaco. Existe uma clássica “fórmula”, criada por

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    Joseph Ducos (1833-1910), ex-proprietário do Château La Nerthe e um dos inventores do CdP:

    – Para álcool e maciez: Garnacha e Cinsault.

    – Para corpo, cor, longevidade: Mourvèdre, Syrah, Muscardin, Vaccarèse.

    – Para aroma e frescor: Counoise, Picpoul Noir.

    – Para finesse e equilíbrio: Clairette Blanc e Bourboulenc.

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    Brancos merecem mais atenção

    Atualmente a região produz 93% de vinhos tintos e 7% de brancos, os rosados não são permitidos. Como na maioria as regiões famosas a qualidade aqui é irregular. Muitos CdP tintos não valem o que custam.

    Os brancos, embora minoria, têm qualidade média bem mais alta, são interessantes, principalmente os da uva Roussanne, que são secos, com baixa acidez, aromáticos e alcoólicos. Muitos falam que os CdP brancos oxidam cedo, inverdade que nasce de uma falsa impressão. Como as uvas do CdP (mesmo as brancas) tem alto grau de polifenóis, com o o contato com o oxigênio podem ficar ligeiramente rosados após 4-6 anos em garrafa, dando a fala impressão de estarem estragados. Depois este vinhos renascem, e são estes polifenóis, aliados ao alto Ph que fazem com que os melhores vivam até 20 anos.

    Clima e solo

    Esta AOC compreende três mil hectares de terreno relativamente plano em várias altitudes. O solo mais típico é o chamado “ovo de pata” (galets roulés ou cailloux), de pedras redondas e grandes, que chamam a atenção dos turistas (é verdade que as pedras mantém o calor à noite, mas não falta calor na região). Embora estes sejam os solos famosos (e os melhores vinhos não vêm daí), eles cobrem apenas 25% da região, que tem mais três solos bem distintos, arenoso, calcário e argiloso. O que faz a diferença contudo é o subsolo, de argila vermelha e areia ferruginosa.

     

    Com tal diversidade de uvas e solos é de se esperar que existam muitos estilos de CdP. Todos, contudo, têm algo em comum, são vinhos sedutores, “quentes”, alcoólicos, macios e aromáticos.

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    Histórias para degustar

    A região é cheia de histórias. Uma delas conta que o então prefeito de CdP assinou em 1993 uma lei que estabelecia que os habitantes deveriam atender seus telefones dizendo, ao ivés de “alô”, “au vin”. Outra diz que em 1930, um incêndio destruiu parte da vinícola Ogier Cave des Papes, só não a destriu por completo, pois ao acabar a água os bombeiros utulizaram vinho para apagar as chamas. Uma curiosidade: uma lei criada na região em 1954 e ainda em vigor, proibe a descida de discos voadores nos vinhedos pois estes podederiam danificar as videiras, e a pena é o confisco da aeronaave(!).

     

     

    Testei alguns Châteauneuf-du-Pape disponíveis em nosso mercado, veja o resultado:  

     

    Châteauneuf-du-Pape 2007, E. Guigal (Interfood, https://www.todovino.com.br ).

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    85% Grenache, 5% Syrah, 5% Mourvèdre e 5% outras, amadurece dois anos em grandes tonéis.

    Cor em tons rubi escuro violáceo. Aroma rico, com notas de frutas mais vermelhas (tem algo que lembra Pinot Noir) que negras, pimenta, chocolate, bastante madeira, baunilha, defumados, além de couro e mineral terroso. Paladar de bom corpo, taninos doces, alcoólico 14,5% de álcool, quente e aveludado. Safra excelente, vinhos já prontos mas devem evoluir bem e ganhar complexidade

    Nota: 94 pontos.

    Châteauneuf-du-Pape 2012, Domaine Font de Michelle, Rhône-França (Premium, https://www.premiumwines.com.br)

    Elaborado com 70% Grenache, 15% Syrah e 15% Mourvedre. Cor rubi Granada escura. Aroma de frutas frescas e doces,

    amoras, morangos, nota mineral pedregosa típica da região, tabaco, defumados, nota balsâmica mentolada. Paladar de bom corpo sem ser muito encorpado, boa estrutura de taninos, com 15% de álcool bem integrados, textura macia. Pronto mais com mais 10 anos de vida pela frente.

    Nota: 92 pontos.

     

    Châteauneuf-du-Pape 2009, Domaine La Roquete (Ravin, https://www.ravin.com.br ).

    70% Grenache, 20% Syrah, 10% Mourvèdre, com 20 meses em madeira. Aroma intenso e fresco, rico, com frutas negras maduras, com notas florais, baunilha, bom finesse no nariz. Paladar de bom corpo, estruturado por taninos finos e presentes, 14,5% de álcool, elegante e equilibrado. Ainda jovem, deve crescer em garrafa. Uma ótima novidade.

    Nota: 92 pontos.

     

    Châteauneuf du Pape Xavier 2009, Xavier Vins (Cantu, https://www.cantu.com.br ).

    45% Grenache, 25% Mourvèdre, 15% Syrah, Cinsault e outras. Rubi entre claro e escuro. Aroma de frutas negras, amoras, cerejas, geleias, ervas frescas, pimenta-do-reino. Paladar de bom corpo, macio, acidez correta, é alcoólico (14,5%) e melhora se decantado.

    Nota: 90 pontos.

     

    Châteauneuf-du-Pape Reine Jeanne 2009, Ogier (Vinci, https://www.vinci.com.br ).

    Grenache, Syrah, Mourvèdre e Cinsault com até 10 a12 meses de estágio nos tradicionais “foudres”

    Granada entre claro e escuro. Aroma de médio ataque, álcool aparece um pouco, quente, especiarias, frutas negras bem maduras, passas, baunilha, madeiras, tostados, café, couro, nota vegetal balsâmica. Paladar de médio corpo, macio, 14,5% de álcool, taninos doces, longo. Está pronto, mas pode ser guardado por mais cinco anos.

    Nota: 89 pontos

     

    Châteauneuf-du-Pape Cuvée de L’Hospice 2011, Antoine Ogier (World Wine, https://www.worldwine.com.br ).

    Rubi entre claro e escuro, com reflexos violáceos. Aroma intenso e fresco, notas de frutas vermelhas, ervas, especiarias doces e picantes. Paladar de médio corpo, com taninos doces ainda presentes, quente, com 14,5% de álcool, boa acidez. Muito agradável, boa leveza, equilíbrio e frescor

    Nota: 87 pontos.

     

    Châteauneuf-du-Pape 2010, Abel Pinchard (Casa Flora, https://www.casaflora.com.br ).

    Elaborado com Granache, Mourvedre, Syrah, Cinsault, Picpoul, Clairete, Bourboulenc, Terret, Counoise, Muscadim, Vaccarese, Picardan, Roussanne. Vermelho-granada quase escuro, na transição com reflexos violáceos. Aroma de boa intensidade, frutado, ameixas, com notas de couro, vegetais, especiarias, pimenta, madeira, álcool aparece um pouco descasado. Paladar de bom corpo, quente com 14,5% de álcool, macio, com taninos, um pouco rústico, mas com boa presença na boca e nariz.

    Nota: 86 pontos.

     

    Châteauneuf-du-Pape Chemin des Papes 2011, Pasquier Desvignes (World Wine, https://www.worldwine.com.br).

    Rubi violáceo entre claro e escuro. Aroma intenso, fresco e frutado, com muitas frutas vermelhas, morango, framboesa. Paladar de médio corpo, macio e fresco, com boa acidez, 13,5% de álcool, taninos prontos. Bastante agradável

    Nota: 86 pontos.

     

    Châteauneuf-du-Pape 2010, Louis Bernard (Cantú, https://www.cantu.com.br ).

    Vermelho-rubi escuro, mas não muito, com reflexos violáceos. Aroma intenso com frutas vermelhas e muitas especiarias. Paladar de médio corpo, com taninos prontos e macios, 14% de álcool, boa acidez, equilibrado e pronto.

    Nota: 85 pontos.

     

    Châteauneuf-du-Pape 2007, Philippe Bouchard (Vínea, www.vinea.com.br )

    Granada entre claro e escuro. Aroma de pouco ataque, frutas secas, nota animal de couro, especiarias, terra molhada. Paladar de médio corpo, macio, equilibrado, taninos macios, 14,5% de álcool, média persistência, simples e correto. Pronto para beber.

    Nota: 85 pontos.

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