Quando falamos de corrida política para eleição no Rio, a primeira pauta é a segurança pública e, consequentemente, a guerra ao tráfico. O Rio de Janeiro é o estado que mais gasta em segurança pública: o orçamento de 2020 prevê R$12,7 bilhões em plena situação de crise econômica que vivemos. Gasta-se muito e os resultados não são eficientes. A política de segurança adotada, com foco no confronto, coloca em risco tanto a vida da população da favela quanto a dos policiais. Uma política fracassada. Não se investe nem em inteligência, nem em investigação e prevenção da violência. São muitos os estudos e muitos os especialistas que alertam há décadas para o fracasso dessa política que tira vidas. Suas principais vítimas são pessoas pobres e em sua grande maioria negras.
A chegada da Covid-19 tem forçado as autoridades a mudar sua estratégia em relação à segurança. E com a redução das operações policiais decretada pelo governador após o alerta da pandemia, chama muito a atenção a redução dos números de segurança pública na cidade. Segundo o Observatório de Segurança Pública, as mortes em favelas do Rio caíram 60%. Em março do ano passado foram 36 mortes. Em março desse ano, após o decreto do governo do estado reduzindo as ações policiais, foram contabilizadas 15 mortes, o que indica que as ações policiais interferem no índice de mortalidade.
Outro fator a ser considerado são as motivações para essas ações policiais. Em março, houve uma redução de 43% nas operações de repressão ao tráfico e, por outro lado, um aumento de 105% nas ações de cumprimento de mandatos e 190% nas de crimes contra o patrimônio.
“Três pontos são importantes. Primeiro, é fato que diminuímos operações policiais nessas comunidades e tivemos uma redução no número de vítimas. Segundo, diminuímos o número de operações e não houve um aumento significativo nos números de criminalidade, e com isso chegamos à conclusão de que essas operações não estão surtindo o efeito esperado. Terceiro, essas operações deveriam ser exceção por parte da polícia militar, diferente da polícia civil que precisa fazer investigação, busca e captura, porque a missão da polícia civil é investigar o crime que foi cometido. Quando a polícia militar tem que fazer mais operação do que a missão dela prevê, então alguma coisa está errada,’’ diz Robson Rodrigues, antropólogo e pesquisador de segurança pública que foi coronel da polícia militar na ativa até janeiro de 2016.
O impacto da pandemia na segurança pública só demonstra o que pesquisadores e ativistas sempre relataram sobre a política de segurança. Sendo o estado forçado a mudar de estratégia, ainda segundo o estudo do Observatório de Segurança Pública, o número de ações executadas pela polícia militar em março de 2020 diminuiu 30% comparado a março do ano passado. Já as atividades da polícia civil registraram um aumento de 116%, o que nos leva ao caminho apontado por especialistas e ONGs: inteligência e investigação.
‘’O que vimos falando esse tempo todo é que as operações, da forma como são desencadeadas, além de não terem previsibilidade legal para rotinas de policiais, que são estabelecidas para prevenir, não apresentam resultados satisfatórios no que tange à criminalidade nem tampouco no que tange aos números de vítimas de ambas as partes, agentes do Estado e da sociedade civil. A oportunidade da COVID reforça essa hipótese, ou seja, as operações diminuíram e nem por isso houve um descontrole dos números de criminalidade no estado, mas houve redução de vítimas,’’ afirma Robson Rodrigues.
Para Julita Lemgruber, Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da UCAM, a guerra às drogas não pode continuar sendo uma justificativa. “A redução das mortes provocadas pela polícia nas favelas mostra que a chamada guerra às drogas não pode continuar como justificativa para a ação letal da polícia nas comunidades do Rio de Janeiro. O que acontece nas favelas é o varejo das drogas. É hipocrisia dizer que está combatendo o tráfico fazendo operações policiais nas favelas, que custam vidas e recursos de um estado que, mais do que nunca, precisa investir em saúde. Reduziram as operações, reduziram-se as mortes. Inclusive de policiais. O caminho é esse.’’
Uma volta a essas ações policiais poderia inclusive atrapalhar as lideranças sociais, que desempenham um papel importante nas favelas cariocas no combate à Covid-19. Ações policiais nesses locais poderiam inviabilizar entregas de cestas básicas e outros mantimentos, ou seja, isso seria mais um problema para quem precisa de ações do estado, e não de ações policiais.
Em relação à prevenção da violência, o AfroReggae, reafirmando seu compromisso em transformar vidas, cria em 2008 um projeto de empregabilidade que, em 2014, é renomeado como Segunda Chance, uma agência de empregos voltada para pessoas que saem do sistema prisional e querem uma chance de recomeçar a vida, mas esbarram no preconceito e na falta de programas de reinserção. Hoje, uma das lideranças das ações do AfroReggae na entrega de cestas básicas nas favelas cariocas é Fernando Fernandes. Ele já foi líder do tráfico em uma das facções do Rio. Fernando, que após cumprir sua pena trabalha na ONG desde 2019, afirma que o caminho deveria ser outro: ‘’Essa pandemia mostra que essa guerra é fracassada e que outras coisas deveriam ser feitas para amenizar essa situação. Hoje no AfroReggae vejo que um dos caminhos é dar oportunidade ao egresso para que ele não volte ao tráfico.’’
Quais são os resultados da guerra às drogas na cidade do Rio? A Covid-19 levanta uma questão que já vinha sendo levantada por diversas pessoas e instituições em relação ao fracasso dessa guerra e ao grande número de mortes que resulta dela: Seria realmente uma guerra às drogas ou um projeto de genocídio que vem sendo executado por diversos governos? O que vemos como perfil das vítimas dessa guerra é, na grande maioria dos casos, o corpo de um homem negro, seja ele favelado ou policial. Os resultados não demonstram sucesso; ao contrário, mostram a manutenção e a naturalização de mortes de pessoas que a sociedade está acostumada a ver presas ou mortas. A pandemia está nos ensinando isso. Será que vamos finalmente repensar essas políticas de segurança ou vamos continuar gastando mal um dinheiro que deveria ser gasto em educação, saúde, esporte e tantas outros investimentos importantes?