William Reis

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Lei de combate ao racismo que não cumprimos nas escolas do Rio

Estatuto que deveria ser uma das maiores ferramentas na luta contra o racismo nas escolas do Rio esbarra no racismo e na intolerância

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Atualizado em 5 jun 2020, 16h07 - Publicado em 5 jun 2020, 13h01
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  • Rio de Janeiro, 20/05/2020. Ndeye Fatou Ndiaye sofre racismo, é xingada e humilhada por ser negra. Essa história é mais um triste capítulo do racismo nos espaços de ensino. Um capítulo que talvez não acontecesse se cumpríssemos uma lei que é muito importante na luta contra o racismo e nos mostra um caminho alternativo à punição. É preciso educar, é preciso contar a verdadeira história do Brasil, o país que mais trouxe negros da África para serem escravizados, um dos últimos países abolir a escravidão e o país fora da África com mais negros em sua população. A história de Fatou começa com o racismo via um aplicativo, continua com a negligência da escola e o alerta da diretora do que falar nos aplicativos e termina com a saída da aluna que foi vítima de racismo.

    Em 2003 foi sancionada no Brasil a Lei 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatória no currículo da rede de ensino a “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana’’. É importante reforçar que essa lei foi criada graças aos anos de luta do movimento negro e dos movimentos sociais. A lei cita que terão que ser incluídos no currículo os temas: a luta do negro no Brasil, a cultura negra e a formação da sociedade brasileira resgatando a contribuição do negro, na economia, área social, econômica e política.

    A lei, porém, esbarra no racismo, na intolerância, na falta de monitoramento do MEC, na falta de materiais para que esse conteúdo seja ensinado pelos professores. No caso de Fatou, a jovem tinha total entendimento de que estava sendo vítima de racismo, mas na realidade de muitos jovens, não seria assim ou eles reagiriam de forma que isso passasse despercebido. Fatou tem razão: muitos professores têm se esforçado para que a lei 10.639 seja aplicada, mas em muitos espaços de ensino, longe das escolas particulares, professores chegam a ser ameaçados por abordarem a cultura africana.

    O caso de Fatou teve diversos desdobramentos. A negligência da escola é um deles. Racismo é crime, mas a diretora, embora tenha feito uma live para alertar sobre os cuidados a serem tomados com esse ‘’tipo de postura’’ nas redes sociais, em nenhum momento afirmou que se tratava de um crime. Depois de uma pressão gigantesca, a escola acabou expulsando os alunos.  Mas fica uma pergunta: Até quando iremos perpetuar a cultura da punição? Esses alunos irão para outra escola e nada garante que abandonem essa prática. Não defendo a impunidade. Digo e repito: racismo é crime. Mas acho importante considerar que, se a lei 10.639 fosse aplicada de forma correta, talvez conseguíssemos reduzir casos como esse. A educação é libertadora, ela provoca questionamentos.

    Conversei com vinte pessoas que estudaram nos principais colégios do Rio de Janeiro e nenhuma delas me contou que a história africana e afro-brasileira tenha sido abordada com profundidade nas salas de aula. Permanece o velho clichê de que, da noite para o dia, a princesa tornou-se generosa e libertou todas as pessoas negras que eram escravas. Ou conta-se a história muito superficial do que foi Palmares. Dessas vinte pessoas, apenas cinco, por iniciativa própria, procuraram conhecer a verdadeira história da escravidão. Será que todos entendem a gravidade disso?

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    Uma das pessoas com quem falei, coordenadora de uma escola, contou que quando a lei 10.639 entrou em vigor, o MEC fiscalizava sua implementação, mas com o tempo a coisa mudou. O Brasil está preso em um ciclo vicioso de perpetuação do racismo e um dos braços desse ciclo é a educação. Ensinamos mais a cultura europeia do que a nossa cultura brasileira, que tem forte ligação com a África, e assim esquecemos a importância do negro na construção do país e os crimes cometidos contra esses seres humanos que foram desumanizados.

    Atravessando o túnel, em uma escola na baixada fluminense,Rogério da Silva Bento é um dos professores negros que lutam para que a lei seja cumprida, pois entendem o poder que ela tem. Muitas vezes o ensino da história e cultura afro-brasileira é barrado pela intolerância religiosa. São diversos casos de professores sendo denunciados e até ameaçados. No caso de Rogério, os resultados só começaram a acontecer depois que se tornou diretor da escola e os professores entenderam o objetivo da lei. ‘’Eu queria fazer mais, mas sempre esbarrava nas burocracias. Então, quando me tornei diretor, pensei que seria o momento certo. Continuamos querendo uma melhor preparação para os profissionais e que essas atitudes não sejam só dos professores negros ou de pessoas que simpatizam com a causa. Que isso seja um dever do país, pois o racismo está aí e sua existência se deve exatamente ao processo de escravidão e pós-escravidão que não nos deixou política alguma de reparação’,’ afirma o diretor que ocupa o cargo desde 2016.

    Diretor
    Rogério da Silva Bento professor e diretor de escola pública formado em História da Africa é do negro no Brasil (Rogério da Silva/Reprodução)
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    Rogério da Silva Bento é um dos professores negros que lutam para que a lei seja cumprida, pois entendem o poder que ela tem. Muitas vezes o ensino da história e cultura afro-brasileira é barrado pela intolerância religiosa. São diversos casos de professores sendo denunciados e até ameaçados. No caso de Rogério, seu maior desafio foi intensificar e incentivo, ainda mais aos professores, que junto com ele, já realizavam projetos sobre o tema, depois que se tornou diretor da escola. “ Percebo que está havendo um processo de amadurecimento continuo, em toda comunidade escolar, e assim, entendendo o objetivo da lei”. Continuamos querendo uma melhor preparação para os profissionais e que essas atitudes não sejam só dos professores negros ou de pessoas que simpatizam com a causa. Que isso seja um dever do país, pois o racismo está aí e sua existência se deve exatamente ao processo de escravidão e pós-escravidão que não nos deixou política alguma de reparação’, afirma o diretor que ocupa o cargo desde 2016.

    Quantos outros casos de racismo nas escolas vão ocorrer até que a lei finalmente funcione? Sabemos que racismo é crime e que a lei 10.639 é um dos instrumentos para combatê-lo. Queremos que a educação seja uma arma de combate em prol de uma sociedade mais justa e menos racista. Ensinar a história e a cultura afro-brasileira é tão ou mais importante do que ensinar a cultura europeia. Não existe Brasil sem a história do negro. Ensiná-la fará com que as novas gerações entendam que o maior crime ocorrido em nosso país deixou sequelas que nos marcam até hoje, além de revelar a importância do negro em diversas áreas.

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