Movimentos sociais como peça-chave para o combate ao novo coronavírus
Instituições de várias comunidades cariocas estão reunidas para ajudar as favelas
Os movimentos sociais no Rio de Janeiro sempre estiveram na linha de frente quando se fala nos mais diversos problemas sociais. E nesse momento em que a preocupação gira em torno das populações mais vulneráveis, e dentre elas incluem-se as que povoam as favelas cariocas, esses movimentos mais uma vez mostram sua força para identificar e ajudar as pessoas às quais as crises de qualquer natureza atingem com mais violência.
Recentemente, na corrida política, muitos políticos adotaram a postura de demonizar os movimentos sociais, os direitos humanos, as ONGs e todos os que atuam na área social. A palavra “social” assume uma conotação atribuída por irresponsáveis que desconhecem o histórico de luta dessa galera e seu trabalho sério desenvolvido no Rio e no Brasil e associam projetos sociais a partidos políticos de oposição. Eu, que trabalho há onze anos em uma ONG, posso dizer que elas existem para inovar, defender direitos básicos e construir novas metodologias nos territórios em que atuam.
Na cidade do Rio, as ONGs sempre foram importantes em diversas lutas. Um dos exemplos, nas décadas de 70 e 80, é o projeto Pela Vidda, que exerce um papel fundamental no combate à epidemia de AIDS, desconstruindo os estigmas relacionados à doença e reintegrando socialmente as pessoas atingidas.
Na década de 90, quando ocorre a famosa chacina da Candelária, surgem as ONGs que atuam em defesa das crianças de rua, como a Se essa Rua Fosse Minha, que utiliza a arte e a educação para mudar a realidade de muitas crianças de rua. Nessa mesma década, surgem projetos conhecidos mundialmente, como o AfroReggae e a Cufa, que vão para dentro das favelas cariocas tirar jovens da influência do narcotráfico e contrariam os estereótipos negativos mostrando uma outra imagem da população de favela. O trabalho institucional dessas ONGs fortalece-se com o apoio internacional que recebem.
Nos anos 2000, surgem outros protagonistas sociais e, ao mesmo tempo, os projetos sociais atravessam uma grande crise. Nascem os movimentos que associam esses projetos a tudo o que há de pior, esquecendo-se de todo seu histórico e do que representam para nossa cidade. As ONGs não existem para substituir o papel do governo, mas sim para colaborar com ele, apontar problemas que não se consegue enxergar quando não se tem vivência nesses espaços marginalizados.
Hoje lutamos contra o Coronavírus e vemos uma grande mobilização por parte dessas ONGs com o objetivo de proteger os moradores das favelas do Rio, não só da contaminação, mas de suas consequências, ajudando as populações menos assistidas com cestas básicas, informações sobre higiene, carros de som que comunicam a importância do isolamento. Elas são a ponte que liga a cidade partida às favelas cariocas.
O AfroReggae, acostumado a mediar conflitos em favelas do Rio, empenha-se agora no combate ao Coronavírus. Na última semana, entregou cestas básicas e material de higiene na favela de Vigário Geral. E pretende ampliar suas ações em outras favelas cariocas. Para isso, já conta com vários apoios. A ONG, que ao longo de seus 27 anos de existência sempre fez a ponte entre o asfalto e a favela pra tirar jovens do tráfico, faz agora uma ação diferente. Eu, como coordenador executivo, vejo o quanto as ONGs, os projetos sociais e tantas pessoas que atuam na área social vem se mostrando úteis nesse momento, ainda que tenham sua imagem manchada pelos discursos reacionários de alguns políticos. A ONG tem contado com ajuda de pessoas como Luciano Huck, Everton Ribeiro jogador do Flamengo, Renier do Real Madrid e várias pessoas que simpatizam com o projeto que existe há 27 anos.
A Cufa, outra grande iniciativa que surgiu na década de 90, e que também atua nas favelas cariocas, tem cumprido seu papel com ações de combate ao Coronavírus. Montou uma rede de favelas e lideranças locais, construída através de projetos como a Taça das Favelas e outros, com o intuito de fazer chegar às populações das favelas os produtos, mercadorias e bens cedidos por diversas instituições e empresas. “As pessoas entrarão em estado de extrema pobreza em duas ou três semanas. Nosso foco é dar uma resposta rápida a isso,” relatou Celso Athayde, fundador da Cufa.
Saindo da Zona Norte para Zona Sul, outro projeto que vem fazendo a diferença é o Basquete Cruzada, que atende a Cruzada São Sebastião, Vidigal e Rocinha e que tem como objetivo ajudar semanalmente 350 famílias. Questionado sobre o envolvimento dos moradores do Leblon, Wagner Silva, líder do projeto, diz ainda ser tímida a ajuda dos moradores locais. “A gente não tem tido muito contato com os moradores do Leblon, mas conseguimos ajuda de duas empresas do Shopping Leblon que não quiseram se identificar.’’ Wagner ressalta que a ajuda dos moradores locais é extremamente necessária. “A galera aqui faz o que pode, mas o momento é de unir forças com os moradores do Leblon.’’ Mesmo estando em um dos bairros mais ricos do Rio, a Cruzada tem grandes índices de desigualdade.
Ainda na Zona Sul, no Vidigal, umas das favelas mais conhecidas do Rio, o projeto Vidiga na Social, que é parceiro do Basquete Cruzada, também tem ajudado com a entrega de cestas básicas. Os atores Jonathan Azevedo e Roberta Rodrigues são padrinhos do projeto. Eles são alguns dos vários atores revelados pela ONG Nós do Morro, que passa por muitas dificuldades, mas segue lutando contra a crise na área social.
O ator Jefferson Brasil, que também foi revelado pelo Nós do Morro, criou uma parceria com o projeto Cidades Invisíveis que atua no Sul do país. ‘’Eu vi nas redes sociais que eles estavam desenvolvendo ações para ajudar as pessoas no Sul e pedi ajuda. Eles toparam na hora. E doaram cestas básicas para que eu ajudasse minha comunidade,’’ diz Jefferson, que também contou com ajuda de alguns amigos e diz que a corrente de solidariedade está crescendo.
Na Cidade de Deus onde tiveram vários boatos foi criado o Frente CDD um movimento que ajuda moradores da favela a se prevenirem, lutarem e sobreviverem ao Coronavírus, alem das doações de cesta básica eles também trabalham com carro de som para comunicar os moradores sobre os devidos cuidados e evitarem ficarem na rua, uma tarefa nada fácil para famílias que as vezes vivem num espaço pequeno com muitas pessoas e passando por diversas necessidades.
No centro do Rio, um dos projetos sociais mais conhecidos na área circense é o Crescer e Viver, que existe desde 2001. O circo social tem feito sua parte de modo inovador. Eles estão cadastrando cerca de mil e seiscentas famílias que receberão um auxílio no valor de R0,00 durante três meses. Segundo o fundador do projeto, Junior Perim, além de alimentar as famílias, o intuito do cartão-auxílio é ajudá-las também financeiramente. O investimento é de R$ 1.000.000,00, com alcance de oitenta mil pessoas.
O que vemos hoje é o oposto do que propagaram os que desconhecem esses movimentos sociais, que atuam desde o combate à AIDS até a mediação de conflitos. Eles já salvaram muitas vidas e alcançaram esferas que os governos nunca alcançariam. Temos que entender que os movimentos sociais já passaram por diversos governos, sejam eles de esquerda ou de direita, e que apesar de alguns deles terem ajudado mais e outros menos, isso não significa que esses movimentos sejam partidários. Independente do governo, eles sempre fizeram críticas e cobranças em prol de melhorias sociais. Esses projetos já fizeram mais pelo povo dessa cidade do que muitos políticos que estão no cenário político há décadas sem um único projeto aprovado, mas criticam os que trabalham no dia-a-dia com grupos historicamente marginalizados.
Hoje estamos comprovando mais uma vez que, quando o tema é atuação na área social, quem está na linha de frente são os movimentos sociais, projetos e ONGs. Enquanto eles existirem sempre haverá pessoas dispostas a mudar a realidade ou defender territórios abandonados pelo estado. É preciso entender os que trabalham na área social antes de julgá-los.