Entre aquelas histórias que o Rio não esquece, está o episódio em que latinhas de maconha foram arremessadas ao mar por tripulantes de um navio panamenho, temerosos de ser flagrados com tal carga, e assim elas começaram a pipocar no litoral brasileiro, sobretudo na costa carioca. Era 1987 e a temporada de calor ficou conhecida como “o verão da lata”. Três décadas mais tarde, a mesma embalagem volta a invadir estas praias, mas o conteúdo é outro: vinhos e drinques vendidos em latas de alumínio, prontos para o consumo. “Conveniência e praticidade são aspectos cada vez mais valorizados e isso se reflete no mercado de bebidas, com a migração para embalagens que se adéquem a qualquer lugar”, observa Bianca Dramali, professora de pesquisa e comportamento do consumidor da ESPM.
É verdade que as latinhas dispensam os ritos da degustação dos bons rótulos de vinho e do preparo dos coquetéis, mas em compensação trazem à cena um quê de descontração. Por isso, as versões em nova embalagem ganham espaço na piscina, na praia, no barco, locais onde o vidro não se encaixa tão bem, e se popularizaram, sobretudo, nas faixas mais jovens, entre 25 e 40 anos. “Não têm risco de quebrar, dispensam saca-rolhas e gelam mais rápido. A quantidade ainda é sob medida, evitando o desperdício”, diz a publicitária Barbara Fonseca, 25 anos, listando as razões que a fizeram aderir às latinhas de vinho junto com sua turma de amigas, entre elas as designers Maria Antonia Velloso e Caroline Valiante, também de 25. “Quando vou à casa de alguém, levo minhas latinhas como quem carrega um pack de cerveja”, conta.
A novidade já salta aos olhos nas gôndolas de supermercados, cartas de bares e prateleiras de lojas de conveniência da cidade. No mercado de vinhos enlatados há dois anos, a carioca Vivant Wines foi pioneira no ramo em solo nacional e dispõe de cinco opções no portfólio, duas delas frisantes, a partir de 13 reais.
O fator preço, aliás, pesa em favor das latinhas, atraindo gente que quer economia e não liga tanto para tradições. “Os millennials, que compõem nosso público, são bem abertos à inovação”, pontua Alex Homburger, 27 anos, sócio-fundador da empresa, que conquistou uma medalha de prata pelo seu branco chardonnay na última edição da Paris Wine Cup, em 2020.
Presente em 3 000 pontos de venda de 24 estados, a Vivant, que produz suas bebidas em Caxias do Sul, comercializou pouco mais de 700 000 latas no ano passado – um crescimento de cinco vezes em comparação a 2019. “Não enxergamos a lata como concorrente da bebida em garrafa. Na realidade, ela permite a entrada do vinho em locais onde ele não tinha vez, como o cinema”, enfatiza Homburger, que tem entre os clientes a rede Kinoplex.
A boa aceitação dos vinhos em nova embalagem descortinou a trilha das latinhas também para os drinques. Dono da Arya Wines, com variedades de tinto, branco, rosé e prosecco, o carioca Daniel Gambardelli lançou em 2020 a Bakko, com criações da premiada mixologista Jéssica Sanchez. “A experiência de sentar num balcão é insubstituível, mas a coquetelaria pode ir além do bar”, acredita o empresário.
Nessa mesma toada caminham as concorrentes Oceà, dedicada aos coquetéis à base de vinho inspirados nos “tintos de verano” espanhóis, e a Ginta, que tem como sócio o bartender italiano Nicola Bara e oferece os populares gins-tônicas em três sabores. “Havia um estigma de que a qualidade seria inferior, mas, na verdade, a lata é a embalagem ideal para esse tipo de bebida, porque bloqueia a incidência de luz e ajuda na conservação”, explica Bara.
A desconfiança também recai naturalmente sobre os vinhos, que têm no vidro o ambiente ideal para amadurecer. Tomá-los na lata certamente envolve um ajuste de expectativas. “Em geral, estamos falando de vinhos simples, leves, elaborados com uvas mais jovens, frescos e para consumo imediato, sem grandes pretensões de guarda”, esclarece Joseph Morgan Junior, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio de Janeiro.
Dono da Bar Skull – Escola de Coquetelaria, no Centro, o mixologista carioca Michell Agues observa de perto o tilintar das latas. “Muita gente não se permite pagar 35, 40 reais por um coquetel. No mercado, compra uma versão pronta por um terço do preço e gosta. Isso acaba ajudando a coquetelaria a ganhar novos paladares”, avalia.
Para garantir a qualidade das bebidas, que pode ser afetada pelo contato entre o líquido e o metal, desenvolvem-se embalagens com revestimento interno apropriado para cada tipo, capazes de impedir qualquer reação indesejada. Não se trata, portanto, de simplesmente pegar a mesma latinha de cerveja e pôr ali o vinho ou o coquetel. “Enviamos amostras de nossas latas para teste em um laboratório
no Colorado, para que sejam analisadas todas as reações possíveis”, conta Hugo Magalhães, gerente da Ball, líder mundial em embalagens de alumínio.
A sustentabilidade, aliás, tão valorizada nos tempos atuais, é outro ponto em favor das latas: o Brasil está entre os países que mais as reciclam. O índice chega a 97,6% e, quando o metal é descartado corretamente, ele retorna às prateleiras em no máximo dois meses. Até o cafezinho nosso de cada dia estará disponível nesse formato.
No fim de fevereiro, a Brewz, outra marca carioca, traz a bebida gelada em dois sabores, original e baunilha. “O café é a segunda bebida mais consumida no país. Por isso, esperamos que o produto enlatado ingresse no rol de hábitos dos brasileiros”, torce Gustavo Palombini, 35 anos, sócio do negócio, com investimento inicial de 400 000 reais. Para Bianca Dramali, da ESPM, não é moda passageira. “As latas têm tudo para ficar. O clima favorece”, aposta. E a história de um novo verão começa a ser contada.
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