Muitos escritores, publicitários e poetas costumam manter um bloquinho na mesa de cabeceira para anotar ideias que surgem em meio aos sonhos. Alaíde Carneiro não é nenhuma das três coisas, mas cultiva o mesmo hábito. Cozinheira e proprietária do botequim Chico & Alaíde, no Leblon, ela costuma rabiscar combinações de ingredientes que lhe vêm à cabeça enquanto dorme. Ela jura que foi assim que criou todos os quitutes servidos no seu bar, aberto em sociedade com o ex-garçom Francisco das Chagas Gomes Filho, o Chico, em 2009. ?Vejo o salgado pronto e uma voz me fala como devo fazer. Quando acordo, anoto de olho fechado. Se abrir, esqueço tudo?, conta. Recentemente, Alaíde começou a revolver as cadernetas que manteve ao lado da cama. A ideia é lançar um livro de receitas, a ser publicado pela editora MonteCastelo Ideias, em que promete revelar os segredos de suas iguarias, digamos, psicografadas. ?Penso nisso há tempos. Os clientes vivem me perguntando sobre meus salgados?, explica.
À parte seus métodos pouco ortodoxos, Alaíde tornou-se uma celebridade entre os boêmios cariocas. Sua fama começou quando ainda trabalhava no Bracarense, tradicionalíssimo boteco do Leblon, frequentado por artistas e políticos. Por 24 anos, pilotou as frigideiras da casa, até decidir abrir seu próprio negócio, em parceria com Chico, que era garçom no mesmo bar. Hoje, comanda uma equipe de dez pessoas e supervisiona pessoalmente o preparo de mais de quarenta tipos de salgado servidos no botequim. Todos os dias é a primeira a chegar. Antes das 7 horas já está na cozinha, e só sai de lá quando o bar fecha, perto da meia-noite. Ela faz questão de preparar sozinha a massa e o recheio dos bolinhos. Só a irmã, Patrícia, está autorizada a substituí-la, e, mesmo assim, apenas em situações de emergência. ?Sempre deixo tudo pronto. Afinal, só eu sei fazer o meu tempero?, diz, sem falsa modéstia.
Nascida em Minas Gerais, Alaíde chegou ao Rio aos 13 anos ? hoje tem 49, mas não gosta de falar no assunto. Um de seus primeiros empregos foi como arrumadeira na casa de uma professora de gastronomia que, para incrementar o orçamento doméstico, vendia tortas para restaurantes. Um mês depois, passou a ajudar a patroa no preparo dos doces. Sua vida mudou quando começou a sonhar com comidas. O primeiro bolinho sonhado ganhou seu próprio nome e leva aipim, camarão e queijo catupiry. De lá para cá, não parou mais de cozinhar e sonhar, reunindo hoje mais de dez cadernos com anotações. Quem provou sabe: são mesmo receitas de outro mundo.