Sai verão, entra verão, e há sempre uma dieta da moda, seja ela para a perda de peso, para manter a boa saúde ou mesmo para poupar o planeta – este é um argumento muito em voga para as pessoas tomarem suas decisões hoje. É uma fusão de todas essas motivações que embala a turma que vem abraçando o chamado regime flexitariano (do inglês flexitarian, junção de flexível e vegetariano).
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Trata-se de uma alimentação baseada na maior parte do tempo em vegetais, que representam até 90% das calorias consumidas, sem renunciar totalmente à proteína animal. Traçar aquela picanha suculenta ou ir a um rodízio japonês de vez em quando pode. Nesses últimos tempos, a pandemia deu um empurrãozinho àqueles que já vinham gradativamente subtraindo as proteínas. “Muita gente tem refletido sobre sua vida, o mundo em que vivemos, e buscado opções mais sustentáveis e saudáveis”, observa a nutricionista Bruna Lyrio.
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A tirar pelas estatísticas colhidas nos consultórios, o flexitarianismo (termo, aliás, que recentemente ingressou no dicionário Oxford) está mesmo em alta. No de Bruna Lyrio, na Tijuca, um em cada quatro pacientes está praticando essa dieta mais maleável que a vegetariana, o dobro de antes do aparecimento da Covid-19.
“Não é um modismo, mas um novo estilo de vida que se dissemina, sem relação única e direta com a perda de peso”, define a nutricionista. Segundo especialistas, uma alimentação com menos carne e abundante em hortaliças, cereais, grãos integrais, leguminosas, frutas secas e oleaginosas pode trazer relevantes vantagens.
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“Ao baixar o consumo da proteína animal, o indivíduo diminui a ingestão de gorduras saturadas, que estão relacionadas a doenças cardiovasculares, a principal causa de mortes no mundo. Sem contar que as hortaliças e outros vegetais são ricos em fibras, essenciais para controlar os níveis de açúcar no sangue e reduzir a absorção de colesterol”, explica a nutróloga Fernanda de Luca, presidente da Associação Brasileira dos Médicos Vegetarianos (ABMV).
Na comunidade científica, a discussão sobre o que faz bem à saúde é sempre acalorada, não raro envolve polêmica e está aberta a várias releituras conforme descobertas vão sendo feitas. Um estudo da Universidade McMaster em parceria com a Hamilton Health Sciences, rede canadense de prestigiados hospitais, mostrou que o consumo moderado de gorduras (até 35% das calorias diárias) está associado a uma maior longevidade, podendo reduzir o risco de morte prematura em até 23%.
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A publicação americana US News & World Report, no início do ano, reforçou os benefícios dessa escolha à mesa, ao trazer um ranking conduzido por um time de renomados especialistas que avaliaram 35 estratégias alimentares: a dieta mediterrânea, que evita carne vermelha e foi considerada a mais equilibrada, ficou no topo, seguida do regime flexitariano.
As versões mais liberais no quesito proteína (paleolítica, cetogênica, Atkins, Dukan, Whole 30) se situam nos últimos lugares. Os médicos dizem, porém, que é necessário levar em consideração caso a caso. “Há benefícios comprovados também nessas dietas, que contribuem para o tratamento de diabetes, síndromes metabólicas e distúrbios neurológicos e podem proporcionar um emagrecimento mais rápido”, pondera o endocrinologista Guilherme Renke.
Os adeptos do flexitarianismo costumam observar um conjunto positivo de efeitos no corpo. “É uma dieta meio-termo, mais suave, que me deixa bem-disposta e com uma melhor digestão”, avalia a produtora cultural Bárbara Rosalinski, 31 anos, que aderiu de vez ao cardápio há alguns meses. Ela reconhece que, vez ou outra, bate uma vontade daquelas de comer frutos do mar, um queijo, e, como boa flexitariana que é, não refreia o impulso. Tamanho foi seu interesse pelo tema que Bárbara fez dele um negócio: criou a Moa, marca de receitas sem proteína animal que reaproveita alimentos de forma criativa, como o saboroso pesto à base de folhas de cenoura. “Não tem preço atrair os carnívoros com uma boa comida vegetariana”, pontua.
Uma pesquisa do Ibope Inteligência destaca que 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos, um crescimento de 75% em relação ao ano de 2012. Mas há uma multidão no meio do caminho, atenta à ideia de que cortar na carne, com o perdão do trocadilho, pode render bons frutos.
Um estudo conduzido pela Universidade de Bath, do Reino Unido, em parceria com o braço do The Good Food Institute, no Brasil, ouviu quase 2 000 brasileiros em agosto sobre o assunto. No geral eles se revelaram permeáveis a uma mudança de menu: 85% afirmaram que provariam uma “carne” vegetal e mais da metade substituiria o filé tradicional por versões feitas de plantas — desde que ofereçam as mesmas características sensoriais, como sabor e textura. “As pesquisas reforçam que a maior parte está em busca de caminhos para reduzir a ingestão de itens de origem animal sem abrir mão de seus hábitos alimentares”, explica Gustavo Guadagnini, diretor da operação brasileira do instituto.
Nos supermercados, a venda de alimentos que compõem a cesta flexitariana acompanha a onda. As lojas do Pão de Açúcar registraram um aumento de 150% no último ano. Hambúrgueres à base de plantas já representam um terço das compras na prateleira de congelados. “As pessoas estão cada vez menos reativas à ausência de proteína animal e mais dispostas a abandonar aquela referência do prato clássico brasileiro, composto de arroz, feijão, salada e carne ou frango”, avalia Ana Luísa Faller, professora no Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ.
Os especialistas frisam, no entanto, que moderar o consumo de carne não é sinônimo, obrigatoriamente, de uma alimentação saudável. Afinal, mesmo longe das proteínas, abundam frituras e itens ultraprocessados e pouco nutritivos. Daí a necessidade de fazer as substituições adequadas, sempre orquestradas por um profissional. Isto posto, bom apetite.