Lá se vão cinco décadas desde que o cardiologista Robert Atkins (1930-2003) virou celebridade global ao defender uma alimentação rica em proteínas e gorduras e um corte radical nos carboidratos. Publicado em 1972, o livro que lançou a ideia vendeu mais de 10 milhões de cópias e foi precursor de um estilo de dieta para perda de peso que há tempos vem ditando a uma parcela da humanidade o que se deve (ou não) colocar no prato.
Eis que muitos anos mais tarde vem a pandemia, 52% dos brasileiros ganham uns quilinhos a mais (em média, 6,5 quilos per capita, segundo pesquisa do Instituto Ipsos) e a onda low carb se renova e se sofistica.
Nestes tempos em que o mundo se remodelou, um tsunami de produtos e serviços para os seguidores da modalidade de regime concebida por Atkins sacudiu as prateleiras: há desde pães, pizzas e salgadinhos até doces, bebidas (já tem inclusive cerveja) e cardápios completos low carb, refeições que variam do café da manhã ao jantar, não raro com o toque de chefs estrelados.
“As opções nessa linha aumentaram quase 30% no último ano e o consumo mais do que triplicou desde 2020”, calcula Caroline Scarpinelli, fundadora da saudável La Fruteria, com lojas em Ipanema e Barra.
O termômetro das redes também sinaliza a subida da procura desse rol de alimentos. Dados do Google Trends mostram que a dieta low carb foi a mais buscada em 2021, o dobro do segundo lugar, posto alcançado pelo “jejum intermitente”. Tamanho sucesso se deve à veloz perda de peso que ela proporciona.
“Como os carboidratos são a nossa fonte de energia, o corpo vai em busca dela em nossas reservas para funcionar”, explica a nutricionista Patricia Davidson, que atende, entre outros, Bruna Marquezine, Paolla Oliveira e Fátima Bernardes.
Diante da dificuldade da clientela em fazer sozinha a lista de compras, preparar as próprias receitas e saber o que e quanto comer, ela inaugurou em novembro o Not Magic!, serviço de entrega de refeições cuja promessa é secar de 2 a 5 quilos por semana.
Os pratos foram desenvolvidos em parceria com o chef Ronaldo Canha, ex-Quadrucci e Qui Qui, que trocou a musseline de batata tradicional, por exemplo, pela versão de couve-flor e criou uma farofa, quem diria, sem farinha — ela é feita de ovos, nozes e sementes. “Não é só porque é uma dieta que precisa ser algo sem sabor”, garante Patricia.
Se antes os menus mais focados em proteínas se resumiam a carnes grelhadas, ovos preparados de todos os jeitos, alguns legumes específicos e muita salada verde, agora há bons doces e salgados — a salvação da lavoura para quando bate aquele desejo de açúcar ou de algo que dê aquela graça ao lanche.
“A maior dificuldade é justamente encontrar alternativas para variar o cardápio fora das refeições principais, especialmente quando você está fora de casa”, diz a empresária Joana Calmon.
Quando foi morar em Paris, em 2010, ela aproveitou sem restrições as incomparáveis especialidades locais. Levou de brinde 5 quilos. Recorreu então aos ensinamentos do doutor Atkins e decidiu, na cidade em que praticamente não existe vida sem baguete, frear o consumo de pães, massas, doces e outras tantas delícias. Perdeu não só os quilos excedentes como outros 5.
Joana resolveu estudar mais sobre o assunto, voltou ao Rio e desenvolveu a Tartiner, marca de pastinhas de oleaginosas (amêndoa, castanha, pistache) que não levam nenhum tipo de açúcar ou adoçante. Para ter uma ideia, uma colherada da versão de avelã com cacau, o carro-chefe, possui 2,7 gramas de carboidrato — o clássico brigadeiro contém cinco vezes isso.
E haja imaginação para produzir pães, bolos e brownies que se encaixem nesse tipo de regime. A Natural Fit baniu a farinha de trigo convencional, riquíssima em carbos (são 76 gramas a cada 100 gramas), e, no lugar, os padeiros usam versões genéricas de oleaginosas, como amêndoas e castanha-de-caju, e de leguminosas, como feijão-branco e grão-de-bico.
“No dia a dia, não é fácil ficar sem pão, que é um alimento de tanta memória afetiva e está presente na nossa rotina em vários momentos, daí a importância de recriá-lo com receitas que se ajustem à dieta”, reforça Cadu Xavier, dono da marca hoje à venda em cerca de oitenta estabelecimentos no Rio.
Como os ingredientes alternativos são mais caros, o valor final de um produto com menos carboidratos também costuma ser de três a quatro vezes superior: um pacote de pão de forma sai por cerca de 30 reais.
A onda low carb aterrissou até mesmo no mercado das bebidas alcoólicas, com o investimento de grandes marcas que querem conquistar o público fit. É uma turma que adota essa alimentação como estilo de vida, e não só para dispensar as gordurinhas extras.
Desde o fim do ano, a Ambev passou a vender no Brasil a cerveja Michelob Ultra, que possui 75% menos carboidratos que as versões normais, enquanto o Grupo Heineken lançou a Amstel Ultra, seguindo a mesma trilha.
“A gente malha, mas não abre mão do churrasco no fim de semana, né? Aí não tem jeito, precisa de uma cervejinha para acompanhar”, explica o preparador físico Ricardo Lapa, que também inventou seu rótulo, a Lapa Low. Com alunas e clientes como a atriz Isabella Santoni e a apresentadora Rachel Apollonio, a chegada aos grandes sites de e-commerce e o lançamento de um clube de assinatura, as vendas das latinhas subiram 400% em um ano.
Além da perda de peso provocada pela redução da ingestão de carboidratos, que leva o organismo a queimar a gordura armazenada para gerar energia e manter todos os processos em dia, as dietas de baixo carboidratos (veja quadro) oferecem benefícios à saúde aferidos pela ciência.
“Há um menor risco de hipoglicemia (aumento e queda abrupta de açúcar no sangue) e inúmeros estudos mostram ainda que elas contribuem tanto para a redução de doenças cardiovasculares como na regulagem dos níveis de triglicérides e colesterol”, ressalta a nutricionista Patricia Davidson.
Mas faz-se necessário, como em qualquer dieta, um acompanhamento médico e nutricional para acertar na dose das restrições e controlar o seu impacto sobre o organismo no longo prazo, já que adotado em períodos extensos demais o excesso de gorduras pode se desdobrar em problemas hepáticos, por exemplo. Com todos os cuidados postos à mesa, uma coisa é certa: nos dias de hoje, emagrecer ficou muito mais gostoso.
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