Em um de seus mais memoráveis papéis, na comédia Quanto Mais Quente Melhor (1959), Marilyn Monroe usa uma bolsa de água quente como coqueteleira durante uma festa improvisada no vagão de um trem. O drinque preparado por ela é um manhattan, cuja base leva duas doses de uísque e uma de vermute — infusão de vinho com ervas aromáticas que sempre se resignou ao papel de coadjuvante. Agora, a bebida caracterizada pelo amargor e adicionada a tantas receitas clássicas, como o dry martini e o negroni, começa a conquistar luz própria. Em um caminho semelhante ao trilhado pelo gim na última década, já aparece em cartas especiais, inspirando a produção de rótulos artesanais e tem até uma casa para chamar de sua: o recém-inaugurado Bar Tero, em Botafogo, primeira vermuteria da cidade. “Este ainda é um conceito novo por aqui, mas a aceitação do público vem sendo muito boa”, comemora o premiado mixologista Nicola Bara, à frente do negócio junto com o chef Tobia Messa — ambos, aliás, nascidos na Itália, um dos berços do vermute, onde foi lançada a primeira marca comercial no século XIX.
Localizada na área conhecida como Botasoho, em referência ao descolado bairro nova-iorquino Soho, a vermuteria é um desdobramento noturno do Café Tero, no Morro da Conceição, tocado pela mesma dupla. A experiência por lá reafirmou o boom vivido pela coquetelaria nos últimos anos, à medida que eles foram percebendo que os clientes trocavam a cerveja pelos drinques nas refeições. Com uma receita de vermute caseiro desenvolvida por eles, restava aperfeiçoar e levar à garrafa. Hoje, contam com três rótulos próprios — branco, tinto e rosé —, além de mais dez nacionais e internacionais. “A ideia é manter o cardápio em constante renovação, trazendo novas receitas e marcas”, afirma a bartender Marina Alice, consultora do Tero e de vários bares na cidade, uma das entusiastas da tendência que arrebata cada vez mais produtores por aqui. Inaugurada há um ano em Paraty, a vermuteria La Finca conta com sete variedades e fincou um balcão na cidade da Costa Verde para vender a bebida harmonizada com tapas.
Quem circula pelos eventos cariocas da gastronomia provavelmente já bebericou algo preparado por Sandra Mendes. Depois de dar consultorias a bares como Teto Solar e Doiz, ela decidiu se aventurar pela alquimia etílica também no território do vermute. “Comecei a estudar botânica e busquei trazer elementos nacionais para minha receita, como o lírio-do-brejo e o tamarindo”, explica a mixologista, que planta a maioria das trinta ervas utilizadas em sua infusão, sem nenhum aditivo químico. Ela começou vendendo suas garrafinhas na Junta Local, onde bate ponto até hoje com clientela fiel. A feira também notou o fenômeno e, no início de julho, realizou um evento voltado para os vinhos nacionais: com ingressos esgotados, o Fermenta! apresentou uma gama de marcas de vermute. Entre os expositores estavam Fernando Carvalhaes e Leonardo de Andrade, da paulistana Companhia dos Fermentados, que procuram se manter inovadores nesse terreno de múltiplas possibilidades.
Segundo a legislação do Ministério da Agricultura e Pecuária, para ganhar o título de vermute, a bebida precisa ser feita a partir da infusão de vinho de uva fortificado. Mas, no caso de uma turma à qual pertencem Fernando e Leonardo, algumas receitas são um pouquinho diferentes. Em seus “vermús”, como são carinhosamente chamados, a base é elaborada com fermentados de frutas ou até mesmo de mel e café. “Queremos difundir o conceito de banc — bebidas alcoólicas não convencionais”, explicou Leonardo em um evento no Bar Tero, que oferece dois rótulos da dupla no cardápio. No caminho inverso da ponte aérea, o casal Tabata Magarão e Alexandre Bussab, que testou receitas de vermute na pandemia, decidiu migrar para São Paulo, onde abriu o Trica Bar, o primeiro da cidade voltado para a versátil e milenar bebida.
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Tido como o pai da medicina, Hipócrates já receitava vinhos infusionados para remediar males estomacais nos tempos da Grécia Antiga. Na Idade Média, o elixir virou moda em parte do noroeste da Itália e do sul da França — e por lá tomou as feições que conhecemos hoje. Puro, serve como aperitivo ou digestivo. “Isso vai variar de acordo com o que é usado na infusão, mas ele tem muitos benefícios, principalmente para a flora intestinal”, ensina Thiago Politi, chefe de bar da Casa Camolese, onda há uma carta especial à base de doze rótulos de vermute. Vale tudo: com ervas, flores, frutas, cascas, sementes, chás. “Mesmo simples de fazer, é uma receita que está sempre em evolução”, lembra o mixologista e professor Walter Garin. Segundo ele, não se trata de onda passageira. “O público da coquetelaria hoje está em busca de drinques com personalidade”, acredita o especialista, criador de dois rótulos artesanais da bebida — um branco e outro tinto. Não há dúvida: o vermute também é coisa nossa.