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A taça é nossa: em meio à inflação, o vinho nacional conquista os cariocas

A variação cambial, o aprimoramento da produção e a melhora na distribuição fazem ascender os rótulos brasileiros na prateleira dos vinhos

Por Carolina Barbosa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
18 jun 2021, 06h00
abre vinho
Vinho nacional: o único que pode ser servido em eventos do governo do Rio (iStock/Getty Images)
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Experimente fazer o teste ao passear pelas gôndolas do supermercado, folhear a carta de bebidas do restaurante ou procurar nos sites de e-commerce: é visível que os vinhos made in Brazil, antes esparsos perto da fartura internacional, estão avançando. Na pandemia, o consumo se intensificou com a maior permanência das pessoas em casa e, como o dólar disparava, abriu-se um terreno fértil — ou, em bom francês, o terroir perfeito — para a produção nacional prosperar.

Segundo a Ideal Consulting, que acompanha a evolução do setor, as vendas de tintos, brancos e rosés produzidos em solo brasileiro dobraram em 2020. Isso com um bom empurrãozinho dos cariocas, que bateram o recorde histórico de 6 litros da bebida per capita no ano passado. “Ao abrir a guarda para novas opções, o consumidor fez boas descobertas e aí começou a quebrar um certo preconceito contra o vinho local”, analisa o CEO da empresa, Felipe Galtaroça.

Ao câmbio proibitivo somam-se outros fatores para estimular a degustação dos rótulos daqui. “Com o enoturismo quase suspenso, pequenas e médias vinícolas tiveram de se profissionalizar para escoar a produção e adotaram as vendas on-line. A distribuição melhorou muito”, afirma o crítico Marcelo Copello.

Essa nova porta de entrada para o público trouxe vitalidade ao mercado local. “Antes, até pela dificuldade de acesso, eu acabava comprando muito mais argentinos e chilenos. Hoje, a oferta de rótulos nacionais se expandiu, uma provocação à curiosidade de quem aprecia vinhos”, diz a engenheira de produção Joana Rangel, 44 anos, dona de uma adega com mais de 100 garrafas, cerca de 40% brasileiras. Para ela, há duas palavras-chave na hora de escolher. “Custo-benefício, que é a relação bolso versus prazer, e frete grátis, uma espécie de novo ‘eu te amo’ ”, brinca.

arte vinho

Um tremendo motor para a adesão aos rótulos nacionais tem também a ver com uma significativa melhora nos parâmetros de produção, que durante anos ficou restrita ao Rio Grande do Sul. Graças à qualificação de profissionais e ao investimento em tecnologia, as fronteiras se abriram. “Até o ano 2000, todo mundo fazia do mesmo jeito, os vinhos eram parecidos. Percebeu-se então que era preciso diversificar a produção e investir firme em qualidade”, explica Rogerio Dardeau, autor do livro Gente, Lugares e Vinhos do Brasil (Ed. Mauad).

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Para o especialista, a virada deveu-se em boa medida às novas experiências com castas italianas (as francesas imperavam até então), ao cultivo orgânico e biodinâmico e à implantação da técnica da dupla poda, que consiste em “enganar” a videira para que frutifique no inverno — e isso permitiu a colheita em bandas antes inimagináveis. “Hoje, temos exemplares de altíssimo nível e diversos estilos em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e até no Rio”, enumera Dardeau, professor da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio.

O sucesso das garrafas nacionais é aferido pelas grandes redes de varejo. O Pão de Açúcar, por exemplo, aumentou em 40% o sortimento de vinhos brasileiros para entregas no Rio — e a receita no e-commerce foi quatro vezes maior em relação a 2019. Com 44 unidades — 43 no Rio e uma em Angra dos Reis —, a rede de mercados Zona Sul vai somar à carta rótulos de mais cinco vinícolas brasileiras até o início do inverno.

O objetivo é duplicar a oferta nacional nos próximos meses. “Queremos acompanhar esse movimento natural de crescimento, incentivado pela pandemia, e investir em vinhos diferenciados e exclusivos”, conta o sommelier Dionísio Chaves, atento aos novos ventos. “Na dúvida entre duas opções na mesma faixa de preço, o carioca acabava escolhendo o importado, pela tradição, mas isso está mudando”, enfatiza Chaves.

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Bares e restaurantes também testemunham o novo fenômeno etílico. Pioneira entre as casas disponíveis na cidade para uma boa degustação, a Winehouse, inaugurada em 2014, fechou o mês de maio com volume de 45% das taças e 38% das garrafas consumidas com rótulo verde e amarelo. “Antes, mesmo que a gente elogiasse o produto nacional, o público torcia o nariz. Observamos hoje muito mais receptividade”, conta a sócia Katharina Neves, que ressalta um dos best-sellers de sua carta, o gaúcho e estruturado Campaña da Bodega Sossego, feito com uva cabernet sauvignon. “Sai mais do que muitos importados, o que nos deixa felizes, já que um de nossos objetivos é fortalecer e valorizar o produto nacional”, reforça.

Segundo a empresária, as pessoas estão mais interessadas em consumir localmente, querem saber a procedência da bebida e como ela chega até a mesa. “Há uma mudança de hábitos que segue uma tendência mundial”, diz.

A depender da região brasileira, as características do vinho podem variar imensamente. Em meio a uma centena de castas de uvas, o Brasil ainda está aprendendo quais se adaptam melhor a determinados locais. No Vale do São Francisco, destacam-se as bebidas de grande frescor, como brancos, rosés e espumantes.

Na promissora Santa Catarina, vigoram, além de cabernet sauvignon e pinot noir, castas italianas como sangiovese e montepulciano. “A diversidade é um grande diferencial brasileiro. Quando falamos em Argentina, a gente sabe o que esperar, mas, quando se trata de Brasil, pensamos: o.k., mas de que região? O país vem trilhando um caminho de qualidade com velocidade”, analisa a sommelière Cecilia Aldaz, do Oro e do Pipo, apresentadora do programa Um Brinde ao Vinho, no canal Mais Globosat.

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“Há 22 anos, quando abri o Baz­zar, o mais vendido era sempre o mais barato depois da opção nacional, mas agora, graças a todos esses avanços, ninguém tem mais vergonha de beber o nosso vinho”, endossa a restauratrice Cristiana Beltrão, que recentemente duplicou a oferta de exemplares mineiros e paulistas.

Dionísio Chaves, especialista do Zona Sul: vinícolas do Brasil em ascensão -
Dionísio Chaves, especialista do Zona Sul: vinícolas do Brasil em ascensão – (Leo Lemos/Divulgação)

O reconhecimento internacional é um bom medidor para a ascensão da produção nacional. Se nas últimas décadas os espumantes eram os brasileiros mais prestigiados lá fora, em 2020 tintos, brancos e rosés arre­bataram 321 medalhas em concursos realizados em doze países como Itália, Portugal, França, Grécia, Chile e Canadá. Foi a primeira vez, em quase três décadas, que esses rótulos (166) superaram as premiações dos espumantes (147), de acordo com o levantamento da Associação Brasileira de Enologia.

Alguns deles apareceram, inclusive, na capa da revista inglesa Decanter, a mais prestigiada do setor. Porém, apesar dos largos passos, o caminho nesse universo de história milenar, cercado de ritos e tradições, ainda é longo. “Vinho bom para o dia a dia é diferente do nicho do alto luxo, que não é para o nosso bico. É um mercado praticamente dominado pelos franceses e, para alcançar esse padrão, temos bastante chão pela frente”, avalia Marcelo Copello. De gole em gole, a gente chega lá.

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