“Cascais é uma cidade tranquila, com ar de balneário, tem aquele barulho do mar que acalma. Não costuma-se ver correria por aqui, nem aquele trânsito das grandes cidades. É possível comer, fazer compras, trabalhar, passear, tudo com bastante tranquilidade.
Num fim de tarde de clima ameno e com o azul do céu começando a ficar mais cinza, fui tomada pela sensação real de que “fim do mundo” estava começando. Eu estava, precisamente, no estacionamento do shopping. E assim que paramos o carro, eu e meu marido vimos uma senhora colocando pacotes e mais pacotes de papel higiênico no bagageiro do veículo dela. Aquela cena me pareceu incomum. Eu ainda não sabia que o “vírus do papel higiênico” estava se alastrando por Cascais.
Fui jantar com meu marido, quando recebi o telefonema de um amigo, me aconselhando a ir ao supermercado para fazer um estoque. Minha filha, que mora na França, também me ligou dizendo a mesma coisa. Mal engolimos a comida e partimos para o supermercado. Eu nunca tinha visto as prateleiras vazias. Pessoas enchendo o carrinho com tudo. Clima de guerra mesmo, assustador.
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Desde então, a corrida a supermercados foi insana. O papel higiênico foi apenas o primeiro item a sumir das prateleiras. Em seguida, esgotaram-se o álcool, luvas descartáveis e máscaras de proteção. Não havia carnes embaladas nas prateleiras e a fila para o açougue era interminável.
Naquele momento, eu ainda pensava em levar uma vida “normal”, porque decidi que não entraria em histeria coletiva. Mas, por outro lado, quando o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, também morador de Cascais, decidiu fazer quarentena de quinze dias, mesmo com seu resultado negativo, uma luz vermelha de perigo se acendeu na minha cabeça.
Os colégios suspenderam as aulas. Mas, ainda sem se dar conta da gravidade, a criançada foi em massa para a praia. Levaram, claro, um puxão de orelhas, pois quarentena não tem nada a ver com férias. Logo bares, restaurantes, cinemas e academias de ginástica fecharam. Em seguida, foi decretada a quarentena oficial.
As ruas vazias de uma maneira anormal tornaram Cascais um cenário ainda mais paradisíaco, com suas areias desertas, lembrando muito aqueles filmes em que pessoas estão muito solitárias e sem saber como se virar numa ilha perdida. Uma tela bonita, mas de uma tristeza aterrorizante. Logo em seguida, várias medidas foram tomadas, como limitar entrada de pessoas no supermercado e manter uma distância de um metro entre uma pessoa e outra.
Em meio ao caos, nem tudo é desolação. As pessoas estão mais solidárias e, com certeza, reavaliando seus valores prioritários, assim como eu. Decidi usar meus dias de isolamento para criar. Além das joias que faço, estou pintando quadros, criando estampas, desenhando muito, colorindo meu interior, esperando ver a cor das pessoas voltando a se abraçar lá fora.
*Monica Rosenzweig é designer de joias e acessórios e mora em Cascais, Portugal, há 2 anos. Em depoimento a Marcela Capobianco