A pandemia impôs a necessária quarentena, e ela, por sua vez, trouxe à humanidade o imenso desafio de executar velhas e novas tarefas no confinamento do lar. O rearranjo da rotina tem sido mais difícil para as mulheres, segundo mostra uma pesquisa sobre home office realizada em toda a América Latina pela startup Pin People. Uma das razões, de acordo com os especialistas, é que elas estão mais na linha de frente da ajuda aos filhos, que se adaptam aos estudos a distância.
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Outro motivo é que, mesmo compartilhando o batente doméstico com o marido, as mulheres acumulam mais serviços nestes tempos em que muitas funcionárias do lar também estão em casa, como parte do esforço coletivo para frear a Covid-19. O resultado dessa combinação pode deixar os nervos expostos.“Tem horas que acho que vou enlouquecer”, resume a administradora de empresas Angela Alves, de 41 anos, mãe de João, 6, e Antonia, 5 – uma das cariocas que está experimentando a jornada tripla. “Não é incomum eu entrar em videoconferência e, cinco minutos depois, meus filhos começarem a brigar. Outro dia esqueci o microfone do computador aberto e os dois se estranharam, aos berros. Todo mundo ficou mudo. Só então percebi que havia cometido a nova modalidade de gafe profissional”, conta Angela, que, sim, mantém o bom humor.
Acostumadas a passar o dia fora, mães de classe média estão encarando as múltiplas funções do lar, como cozinhar, lavar banheiro, roupa, louça, tirar o pó, varrer a casa, e assim caminha a lista infindável de tarefas. “Eu achava que já trabalhava muito, que não tinha como piorar. Cheguei à conclusão de que era feliz e não sabia”, brinca a executiva de finanças Elaine Couto, de 43 anos. Com três filhos, cujas idades variam de 2 a 11 anos, ela e o marido montaram um sistema de divisão de atribuições. Enquanto um trabalha, o outro limpa a casa. Enquanto um faz a comida, o outro cuida das crianças. Ainda assim, há momentos em que a coisa desanda. “Atendo a ligação de um cliente, aí um bebê começa a chorar. Inicio uma reunião, eles batem na porta gritando, pedindo para entrar. Esse negócio de quarentena é uma emoção atrás da outra”, define Elaine.
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As novas missões dentro do lar envolvem o delicado papel dos pais de dar uma força à garotada que está se acostumando ao esquema de aulas on-line, uma novidade para todos. A filha mais velha de Elaine estuda no Colégio Santo Inácio e tem aulas por vídeo duas vezes por semana, além dos deveres. “Estou confiando que ela está indo bem, mas não consigo monitorar isso o tempo todo”, reconhece a executiva. “Pais, escolas e professores saíram da zona de conforto de forma abrupta. Nem sempre daremos conta de tudo e temos de tentar encarar essa realidade com leveza. As expectativas devem ser readequadas a cada dia”, avalia Luis Felipe Abad, diretor-geral da rede pH, que tem cerca de 6 000 alunos estudando por meio de uma plataforma on-line.
Um turbilhão de memes retrata com humor o conturbado período doméstico. Em um deles, uma criança deve dizer aquilo de que mais está sentindo falta na quarentena: “Da escola, porque é muito difícil ser aluno da mamãe”, responde.
Não está sendo fácil para ninguém. Juliana Rothier Braile, de 43 anos, mãe de Estela, de 9, percebeu logo na largada que precisaria de um elevado senso de organização. Gerente de marketing da Fundação Getulio Vargas, ela viu o volume de trabalho aumentar assustadoramente. “É uma sensação de correr contra o tempo, porque a cobrança vem de todos os lados. Eu começo a trabalhar às 9 da manhã e só me levanto da cadeira às 20 horas. Nesse meio tempo, preparo uma comida horrorosa. Brincamos aqui em casa que o menu é sempre carne com muito sal e arroz sem sal nenhum”, conta. Não se deixar levar pelo stress é um dos grandes desafios numa hora como esta. “Às vezes me vejo perdendo a paciência com a minha filha por não conseguir ajudá-la com um dever de matemática, ao mesmo tempo em que acho que não vai ser possível lidar com todas as demandas do trabalho. Quando percebo que estou quase pirando, eu me levanto, respiro, tomo um mate, como um pedaço de bolo, para me acalmar e voltar à jornada”, relata.
Vice-presidente pedagógico da Escola Eleva, Márcio Cohen acredita que o primeiro passo para organizar uma rotina que equilibre home office, tarefas domésticas e escolares por ora em casa é aceitar ser “normal estar à beira de um ataque de nervos”. Afinal, o momento é cercado de incertezas. “Os pais têm de entender que não são educadores, essa não é uma responsabilidade deles. Permitir que o erro aconteça num dever de casa é importantíssimo para que os professores possam dar o feedback adequado ao aluno.” Também é consenso entre os educadores que a quarentena vai render lições valiosas a pais, alunos e escolas.
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O ensino a distância, mesmo que temporário, tende a estimular a autonomia dos estudantes. “Além disso, nesse formato, a aula precisa ser mais interativa, para prender a atenção do aluno que está lá do outro lado do computador. São adaptações que deixarão um legado para quando a normalidade voltar”, reflete Marina Stefano, coordenadora pedagógica da rede de ensino de A a Z. Enquanto ela não vem, a ginástica de abrigar tantas e variadas tarefas sob o mesmo teto segue a toda.
Vai dar certo!
Como organizar uma vida saudável e produtiva com crianças e adolescentes em casa:
1 – Tente preservar um senso de rotina, com horários para dormir, acordar, fazer as refeições e os deveres da escola.
2 – Defina um momento diário para uma atividade física, mesmo que leve. Em linguagem simples, o exercício ajuda a liberar um neurotransmissor que facilita o aprendizado.
3 – Pai e mãe não são educadores. Deixe a criança errar e levar suas dúvidas ao professor.
4 – Reserve um tempinho para que a família faça algo em conjunto: pode ser um jogo, um bolo ou uma ligação por vídeo com amigos.
5 – Não dá para concluir sempre todas as tarefas do dia. Portanto, não se frustre quando algo sair um pouquinho do controle. Quarentena é isso aí!