Na trincheira para salvar vidas, com pacientes infectados chegando a toda hora, às vezes me vinha à cabeça: e se eu vier a ser um desses jovens saudáveis que morreram depois de contrair o vírus? Tenho 37 anos e sou praticante de triatlo. Corro, nado e pedalo quilômetros sem cansar. Mantenho a alimentação regrada e os exames em dia. Meu estilo de vida e histórico de doenças não me colocam em nenhum grupo de risco, mas minha profissão sim. Coordeno o Hospital Municipal Carlos Tortelly, em Niterói. E acabei entrando para as estatísticas dos contaminados.
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Nos primeiros sinais da Covid-19, uma luz amarela se acendeu em todos os hospitais do país. Logo no início foi muito difícil, porque ninguém sabia como devia proceder. Da noite para o dia, precisávamos de 24 leitos de UTI e só tínhamos sete. Aumentamos a equipe, mas com isso veio a responsabilidade de treinar os recém-chegados. E como ensinar algo enquanto se está aprendendo também? Esse vírus ainda é cercado de perguntas. Os protocolos mudam a cada dois, três dias. Uma informação nova chega, e a gente precisa se adaptar rapidamente. Foi no meio disso que tudo que contraí a doença.
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Não posso dizer que levei um susto. Quem trabalha com saúde sabe que a infecção é apenas uma questão de tempo. Todo médico tem consciência disso. Mesmo tomando todos os cuidados, acordei numa sexta-feira com febre e dores no corpo. Fiz o teste e deu positivo. Minha mulher, médica também, contraiu a doença junto comigo. Tivemos de nos afastar de nossos dois filhos e deixá-los com os avós. Para o mais velho, de 7 anos, tentei explicar o que estava acontecendo. Vi o medo no rosto dele.
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A verdade é que o novo coronavírus está longe de ser uma “gripezinha”, até para quem é atleta como eu. Mesmo sem apresentar os efeitos da Covid-19 que agridem o sistema respiratório, tive outros sintomas bem fortes. Era impossível vestir uma camisa, tamanha a dor nas costas. Parecia que estava preso a uma camisa de força, sem poder me mexer. A dor de cabeça não me deixava. Não conseguia ver televisão, ler um livro. Um dia fiquei tão nervoso que achei estar com falta de ar por causa da doença, mas passou. Era ansiedade.
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Foram dez dias sentindo um desconforto descomunal até, enfim, começar a melhorar. Durante todo o meu afastamento mantive contato com a equipe do hospital – era lá que eu queria estar. Consegui retornar, após os quinze dias de isolamento, e encontrei um cenário de praça de guerra. Todo mundo exausto, trabalhando sem folga nem descanso, no meio de um mar de incertezas e sabendo que a fase mais difícil ainda está por vir. Felizmente, eu me recuperei e estou aqui para enfrentar a batalha contra o vírus. Agora, é reunir forças. Eu me sinto preparado.