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A corrida dos pesquisadores da Fiocruz para produzir testes da Covid-19

No complexo de Manguinhos, a turma trabalha dia e noite com o objetivo de dar conta dos kits de diagnóstico do novo coronavírus

Por Carolina Barbosa
Atualizado em 4 abr 2020, 06h08 - Publicado em 3 abr 2020, 12h00
Marilda Siqueira, chefe do laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo: amostra em mãos (Josué Damacena/Fiocruz/Divulgação)
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Era para ser um ano de comemorações. A comissão de honra dos 120 anos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), formada por especialistas que definiriam a agenda do aniversário da fundação, em 25 de maio, já estava a postos desde o primeiro semestre de 2019. Repleto de atividades, como uma exposição no Centro Cultural Correios e até uma participação no Congresso Mundial de Arquitetos, o robusto cronograma de preparativos para a celebração corria a todo o vapor quando, nos idos de dezembro, começou a avalanche de notícias sobre o novo coronavírus em Wuhan, na China. Apesar de à época ninguém prever que a epidemia se alastraria pelas bandas do Brasil, acendeu-se um alerta no edifício de arquitetura neomourisca fincado em Manguinhos, na Zona Norte do Rio: era preciso criar um plano estratégico para o enfrentamento do vírus no país. Foi um corre-corre. Assim que os protocolos internacionais para a detecção da Covid-19 foram disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Fiocruz importou da Alemanha parte dos insumos necessários e deu a largada nas pesquisas para o desenvolvimento dos testes no Brasil.

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Ao montar uma verdadeira operação de guerra — é esse mesmo o termo que circula em Manguinhos — para massificar a produção de testes, a Fiocruz tem papel fundamental na engrenagem de combate ao inimigo invisível. A curta experiência da humanidade na luta contra o coronavírus já é enfática em mostrar que, quanto mais um país consegue testar sua população, melhores são os resultados para frear sua disseminação. Vem sendo assim na Coreia do Sul, que chegou a figurar como o segundo maior foco do vírus fora da China e empreendeu uma política de testagem em larga escala, até mesmo em pessoas que não apresentavam sintomas e o fez de forma inteligente, mapeando as cadeias de contágio e estabelecendo rigorosas quarentenas a quem chega ao país vindo dos Estados Unidos. Por lá, 15 000 testes são realizados diariamente, com as amostras coletadas até em postos de drive-thru (sem contato com o ambiente hospitalar) e os resultados enviados pelo celular junto com instruções de como proceder. “Entre as várias frentes de atuação, o diagnóstico é uma ferramenta fundamental. A resposta deve ser rápida, a fim de encaminhar ao hospital apenas quem realmente precisa e tentar evitar a propagação do vírus”, frisa Marco Krieger, vice-presidente de produção e inovação em saúde da Fiocruz. A missão número 1 agora: elevar a toque de caixa a capacidade de produção de testes pela instituição.

Fiocruz
Dia e noite: na Fiocruz, pesquisadores trabalham a todo vapor (Josué Damacena/Fiocruz/Divulgação)

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Em meio à busca por respostas diante do vírus que varreu todos os continentes, a presidente da entidade, Nísia Trindade Lima, juntou-se a um time de centenas de cientistas em Genebra, a sede suíça da OMS, a fim de bater caminhos para intensificar os esforços para conter a doença que se espalha. “Desde então, o assunto tem tomado o meu cotidiano e o de vários outros profissionais da saúde com quem atuo”, conta Nísia. Com louvável determinação, ela enfatiza: “Estar na linha de frente e fazer algo útil e relevante nesta situação é um privilégio. O que me deixaria estressada é não poder agir em um momento como este”. Para desanuviar os pensamentos e as preocupações inerentes ao mutirão que lidera, ela tem lido muito antes de dormir e, mesmo com doses de ansiedade, garante: “Nem preciso de remédio”. São no máximo seis horas de sono. O restante do tempo é dedicado à ciência que cerca o vírus, o que inclui, nestes dias, a investigação sobre a eficácia da cloroquina, medicamento adotado no tratamento da malária cujos resultados, ainda bastante preliminares, lançaram alguma esperança no meio científico.

+Vida longa à Fiocruz, que completa 120 anos em 25 de maio

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A turma chefiada por Nísia é referência nacional para o diagnóstico laboratorial do novo coronavírus, uma expertise que ultrapassa os limites do território nacional. Além da capacitação de especialistas dos Institutos Adolfo Lutz, de São Paulo, e Evandro Chagas, do Pará, ainda na primeira semana de fevereiro, a Fiocruz preparou profissionais de nove países da América Latina, entre eles Argentina e Chile, para se encarregarem da testagem. Foi a pedido da Organização Pan-Americana de Saúde, um braço da OMS. Com duração de um dia, o treinamento, também oferecido a onze estados brasileiros (atualmente, trinta laboratórios estão aptos a fazer o diagnóstico), mergulha nos critérios para realizar uma leitura acurada dos resultados: há casos, por exemplo, em que é preciso repetir o teste antes de bater o martelo sobre o diagnóstico com mais segurança. O esforço da Fiocruz é para padronizar procedimentos de modo que todos falem a mesma língua.

a imagem mostra kit de teste molecular RT-PCR
Operação de guerra: assim que a OMS disponibilizou os primeiros protocolos internacionais para detectar a Covid-19, os pesquisadores da Fiocruz deram início às pesquisas para desenvolver os testes no Brasil e realizaram o treinamento de profissionais de onze estados do país (Josué Damacena/Fiocruz/Divulgação)

O teste em questão foi concebido a partir de uma plataforma de diagnósticos moleculares já usada para testagem de bolsas de sangue na detecção de HIV e hepatites B e C, entre outros. Produzido pela equipe de Bio- Manguinhos, na Fiocruz, em tempo recorde (quarenta dias), o kit consegue identificar um fragmento do genoma do coronavírus em amostras respiratórias coletadas de pacientes. Por meio de uma espécie de cotonete estéril, pegam-se amostras do nariz ou da garganta, de onde se extrai o material genético ali contido. O resultado sai entre quatro e seis horas mais tarde. “É preciso realizar o teste com muito cuidado, para que o diagnóstico seja absolutamente confiável. Não há espaço para erro ou improviso”, enfatiza Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo da Fiocruz.

Até o fechamento desta edição, mais de 50 000 testes foram entregues pela Fiocruz ao Ministério da Saúde, e a previsão, posta a urgência, é que seja distribuído mais 1,2 milhão (entre os produzidos in loco e os importados) nas próximas semanas. “Estamos trabalhando duro para conseguir os insumos necessários, mas, com o cancelamento de voos, fornecedores europeus enfrentam dificuldades de remessa”, conta Mauricio Zuma, diretor de Bio-Manguinhos. Gente de várias áreas se juntou ao time, que tem virado a madrugada para bater a meta de fabricar os testes. Vê-se de tudo. Uma turma com título de doutorado executa desde procedimentos mais complexos até a fixação de etiquetas no tubo que compõe o kit. O passo seguinte é botar para girar a gigantesca logística de distribuição pelo país.

Prédio da Fiocruz
Castelo da Fiocruz: o prédio foi erguido entre 1905 e 1918 à imagem do Instituto Pasteur, de Paris (Fiocruz/Divulgação)
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Criada no fim do século XIX em meio a uma crise sanitária, a Fiocruz (na época, Instituto Soroterápico Federal) surgiu com o propósito de produzir soro contra a peste bubônica que varria o Rio. Sob a direção do sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), a entidade combateu três grandes epidemias na então capital federal: além da peste, varíola e febre amarela. Foi lá também que, em 1909, o médico e biólogo Carlos Chagas anunciou ao mundo a descoberta da tripanossomíase, que viria a ser conhecida como doença de Chagas. Quase uma década depois, o pesquisador conduziu a campanha de combate à gripe espanhola. Reconhecida e prestigiada internacionalmente, a Fiocruz esteve na liderança do isolamento do vírus da aids na década de 80 e, mais recentemente, foi a primeira instituição no mundo a fazer a associação entre a infecção de zika e a malformação congênita. Com vasta experiência no castelo mourisco avistado por quem chega de carro ao Rio pela Avenida Brasil, o infectologista Rivaldo Venâncio diz: “Em termos de mobilização no enfrentamento, o que estamos vivendo hoje não tem paralelo com nenhuma crise de saúde pública já vista no Brasil”.

Patrimônio da ciência

Os marcos da história da fundação carioca

biblioteca Fiocruz
Por dentro da história: todas as quartas, Oswaldo Cruz reunia a equipe na biblioteca para discutir artigos recém-chegados (Fiocruz/Divulgação)
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› 1900 – Nasce o Instituto Soroterápico Federal, na fazenda de Manguinhos, em Inhaúma, para produzir soros contra a peste bubônica

› 1903 – Para criar uma política de combate à febre amarela, à peste bubônica e à varíola, Oswaldo Cruz é nomeado Diretor Geral de Saúde Pública

› 1907 – A febre amarela é erradicada no Rio. Oswaldo Cruz, diretor-geral da instituição, e cientistas da fundação são premiados na Alemanha

› 1918 – Na direção do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas lidera as estratégias de combate à pandemia de gripe espanhola, que chega ao Brasil

› 1937 – Emprega-se a vacina contra a febre amarela pela primeira vez no Brasil. Hoje, a Fiocruz é responsável por 80% da sua produção mundial.

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› 1974 – A instituição passa a se chamar Fundação Oswaldo Cruz

› 1987 – Equipes da Fiocruz isolam, pela primeira vez no Brasil, o vírus HIV, causador da Aids

› 2006 – É realizado o sequenciamento do genoma da vacina BCG, em conjunto com a Fundação Ataulpho de Paiva

› 2011 – É desenvolvido um método que permite a confirmação do diagnóstico do HIV em cerca de 20 minutos

› 2014 – O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) recebe o primeiro caso suspeito de contaminação pelo vírus ebola no Brasil

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› 2015 – A Fundação consegue isolar o vírus da chikungunya, o que permitiu desenvolver kits de diagnóstico diferencial entre dengue, zika e chikungunya

› 2020 – Após produzir, em tempo recorde, o kit para diagnosticar a Covid-19, a Fiocruz vai liderar os testes de remédios contra a doença no Brasil

Fonte: Portal Fiocruz

 

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