O ator Guilherme Piva estava mergulhado em Licurgo, personagem que interpretou com grande sucesso na novela Novo Mundo, de 2017, e que voltaria ao ar em Nos Tempos do Imperador, o novo enredo das 6, planejado para o fim de março. Mas, um dia antes da coletiva de imprensa que apresentaria a trama de Thereza Falcão e Alessandro Marson, Piva recebeu um telefonema em que foi avisado de que toda a agenda havia sido cancelada. “Vim para casa e nunca mais saí”, conta o ator, um de uma multidão de profissionais da indústria audiovisual do Rio – autores, artistas, técnicos – que pararam o que estavam fazendo para entrar em regime de confinamento, engrossando a batalha coletiva contra o novo coronavírus.
“Agora é esse Dia da Marmota eterno. Estamos em compasso de espera, com uma previsão que já foi junho, já foi julho, e desta vez jogaram para agosto”, revela Piva, que está com outros projetos em suspenso, como as peças Fim de Caso e Os Impostores.
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Enquanto a pandemia se desenrola, o setor audiovisual tenta encontrar caminhos para seguir vivo. Não se sabe ainda quando as salas de cinema vão reabrir, mas a longa temporada com elas fechadas já causa um impacto preocupante. Ex-secretária de Cultura do estado e sócia do Grupo Estação, Adriana Rattes escreveu no Twitter: “Estamos num processo kafkiano para garantir os vínculos e o salário das 75 pessoas da nossa equipe”. Aproveitou para pedir ideias e ajuda governamental para o Estação e os outros. Algumas salas, especialmente as que não pertencem a grandes conglomerados e já vinham sofrendo antes, talvez não consigam seguir adiante, segundo análise de especialistas. “Para certas salas de exibição, será muito difícil sobreviver”, avalia Paulo Sérgio Almeida, editor do portal Filme B, que analisa o mercado no Brasil. Tomara que isso não aconteça.
Sempre que uma sala se evapora, a vizinhança se ressente. “A presença de um cinema tem a força de salvar seu entorno da degradação”, enfatiza Almeida. As dúvidas e agonias são compartilhadas por quase todo mundo no meio, à exceção dos serviços de streaming, que já vinham roubando público das mídias mais tradicionais e agora, com tanta gente quarentenada em casa, explodiram. No fim de abril, a Netflix, que normalmente mantém seus números bem guardados, alardeou os 16 milhões de assinantes que conquistou nos três primeiros meses do ano. Com tanto movimento, contratou 2 000 funcionários, trilha que vai na exata contramão da imensa maioria.
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Em uma carta aos acionistas, o CEO da companhia, Reed Hastings, afirmou que a expectativa é de mais 7,5 milhões de assinaturas até o meio do ano. Em uma súplica que só teria espaço mesmo neste mundo posto do avesso pelo coronavírus, países da Europa pediram à Netflix que reduzisse a qualidade de seus filmes. Razão: não sobrecarregar a internet, que andou falhando aqui e ali diante de tamanho acesso.
Com tanta reprise na TV, a pergunta de 1 milhão de dólares – quando, afinal, virá a programação nova? – está sendo respondida aos poucos, aos centavos, até porque, nos tempos atuais, é difícil cravar datas. “Neste momento, autores e roteiristas estão produzindo”, conta uma roteirista do núcleo de humor da TV Globo. “Para nós, não mudou muito, a maioria já trabalhava em casa mesmo. Quando pudermos voltar a gravar, haverá muito material pronto”, diz. A ideia é retornar em um sistema do tipo soft opening, com o mínimo de gente, para finalizar o que já estava sendo executado, e só mais adiante retomar com força total.
No meio-tempo, uma saída, ainda que paliativa, são os trabalhos-solo, como os que o humorista Marcelo Adnet faz em quarentena para o Globoplay na série Sinta-se em Casa. “Percebemos a grande oportunidade de testar novos formatos, com operações remotas e equipe mais enxuta”, diz a Rede Globo em nota a VEJA RIO.
Uma aposta é o podcast, que já vinha sendo exaustivamente explorado antes da pandemia e, agora, ganhou impulso. A Escolinha do Professor Raimundo, atualmente exibida no canal Viva, está preparando programas para a plataforma, em um retorno ao formato original da atração, o rádio, nos anos 1950. A TV, aberta e a cabo, também viu a maré melhorar à medida que as pessoas estão buscando mais notícias e entretenimento.
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No primeiro mês de isolamento, com a programação alterada, a Rede Globo registrou um aumento de público de 6,3 milhões de pessoas; a GloboNews mais que dobrou a audiência; e o Globoplay obteve um acréscimo de 57% em horas de conteúdo consumido. Um dos poucos programas que seguiram em produção (os outros são o É de Casa, semanal, e o Encontro com Fátima Bernardes, que voltou em 20 de abril com a participação de Ana Maria Braga), o Big Brother Brasil superou, e muito, as edições anteriores.
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Uma discussão em alta mundo afora diz respeito ao lançamento de filmes diretamente no streaming, como aconteceu nos Estados Unidos com O Homem Invisível, The Lovebirds e o segundo da franquia infantil Trolls. No Brasil, porém, há uma lei que obriga as películas a estrear nos cinemas antes. “Isso deve ser analisado caso a caso, mas acho que pode ser aberta uma exceção. Os serviços de streaming precisam de conteúdo, o público quer ver os filmes, os próprios estúdios já investiram nos lançamentos. Realmente, apenas as salas de exibição ficarão no prejuízo, e é aí que o governo deve entrar, como já faz nos Estados Unidos, onde cinema é política de Estado”, ressalta Almeida, do Filme B.
A pandemia esquentou debates relevantes na indústria e a obrigou a pensar mais adiante. De resto, segue o jogo, como diz Thereza Falcão, coautora de Nos Tempos do Imperador, a trama das 6 ainda sem data para ir ao ar: “Continuamos a nos reunir diariamente de casa, via videoconferência, e vamos contando a nossa história”.