O novo coronavírus atropelou vários setores da economia, que aguardam ansiosos o momento da curva da epidemia, ainda em alta, começar a baixar e a vida retomar a rota da normalidade. Enquanto isso não acontece, bares e restaurantes, diretamente atingidos por ter de desligar o forno e trancar as portas, estão se virando para tentar suavizar o prejuízo.
E haja criatividade na batalha pela sobrevivência em uma área que já se equilibrava em margens de lucro apertadas, folhas de pagamento inchadas e custos fixos elevados, como o aluguel dos imóveis onde estão instalados, que, numa cidade como o Rio, chega a engolir 30% do faturamento. A exemplo do que acontece em outras cidades também varridas pela Covid-19, como Nova York, estabelecimentos cariocas estão abraçando a estratégia do vale-presente: você paga agora e consome depois, quando os salões forem reabertos e voltarem a ficar cheios de gente e animação.
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O que atrai as pessoas a desembolsar antes e só usufruir depois (não se sabe quando) é a boa e velha promoção. Muitos estabelecimentos oferecem um bônus ao dinheiro empatado com tanta antecipação, que pode chegar a 100%: o futuro comensal paga 100 reais e ganha um voucher (este é o termo) de 200, por exemplo. Para o restaurante ou o bar, vale a pena, já que gera receita rápida em um momento de caixa à míngua, isso sem nenhum tipo de custo imediato. Plataformas que concentram várias casas da cidade estão explorando o nicho que nasce em resposta à pandemia, como a Menu do Amanhã, criada por Gabriel Gasparini. Ali se encontram 200 restaurantes que acolheram os vouchers. Eles valem por um ano. Pergunta pertinente: e se o estabelecimento escolhido vier a fechar no meio do caminho? “Nesse caso, todos se comprometem a devolver o dinheiro”, explica Gasparini.
Os resultados começam a ser sentidos positivamente nas finanças. A Stella Artois se juntou ao clube de vantagens ChefsClub e lançou o projeto Apoie um Restaurante. A marca de cerveja da Ambev também criou um sistema de voucher em que congrega 450 bares e restaurantes cariocas. Logo de saída, arrecadou 1 milhão de reais no Rio, contando com aportes da Nestlé e da Nespresso. O cliente escolhe o estabelecimento, compra um voucher de 20, 70 ou 100 reais (para cafeterias, bares e restaurantes, respectivamente) e tem direito a consumir o dobro. A diferença é paga pelos patrocinadores.
Em todo o mundo, a primeira aposta para driblar a crise do coronavírus foi investir no velho e bom delivery, que, à primeira vista, se apresentava como alternativa num mundo em que, por ora, aglomerações devem ser evitadas a todo custo. Chefs premiados e sem nenhuma intimidade com a logística de entrega precisaram se adaptar a esses tempos e ajustar sua operação. Roberta Sudbrack, do Sud O Pássaro Verde, e Morena Leite, do Capim Santo, estruturaram, do zero, serviços próprios de entrega – recentemente até as casas cariocas do Grupo Fasano, como o Gero, aderiram.
Quem já oferecia o serviço passou a depositar todas as fichas nele. Sem dúvida que ajuda, mas a experiência vem mostrando que o delivery sozinho não garante a sobrevivência em meio a tantas chuvas e trovoadas – à exceção daqueles negócios que já trazem o serviço de entrega no DNA. “Tem funcionado como uma forma de manter a roda girando, mas não cobre todas as nossas despesas fixas”, conta Erik Nako, sócio de cinco casas no Rio, entre elas o japonês Pabu Izakaya e o italiano Prima Osteria & Bruschetteria.
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A principal batalha dos restaurantes até aqui vem sendo para manter salários e pagar a fornecedores. Um balanço recente mostra que, apesar de todo o empenho para a receita não desandar, 25% dos 110 000 trabalhadores que a cidade emprega no ramo foram dispensados desde o início da quarentena – mais de 25 000 pessoas em menos de um mês -, e o número cresce. A solução encontrada pelo donos do Da Casa da Táta, na Gávea, Álvaro Albuquerque e Marta Jubé (a própria Táta), foi botar para funcionar um sistema de financiamento coletivo – trilha percorrida por outros no mundo da gastronomia.
O objetivo imediato era honrar os salários de abril dos catorze funcionários do restaurante. Por meio de uma plataforma de arrecadação de doações on-line, a Benfeitoria, lançaram uma campanha para amealhar 18 000 reais. Atingiram a meta em menos de 48 horas. “A Táta chegou a chorar com a resposta tão rápida dos clientes”, conta o marido e sócio no negócio. As cotas, de 15 a 75 reais, foram recompensadas com bolos, tortas e até um bacalhau espiritual para ser entregue (adivinha quando?) só no Natal. Criatividade e solidariedade têm se demonstrado ingredientes mais essenciais do que nunca nestes dias.
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Reservas abertas
Como apoiar seus bares e restaurantes preferidos
Apoie um Restaurante
A plataforma da Stella Artois, em parceria com o clube de vantagens ChefsClub, oferece vouchers em valores fixos, de 20 a 100 reais. O cliente escolhe o estabelecimento e tem direito a consumir o dobro.
Benfeitoria
Plataforma on-line de doações, já usada com sucesso por restaurantes como Da Casa da Táta, que assim honrou salários e pagou fornecedores no mês de abril. A recompensa, é claro, são deliciosas comidinhas ao gosto do freguês.
Brinde do Bem
Campanha da Heineken para ajudar os bares, funciona como uma espécie de vaquinha eletrônica. Os valores vão de 25 a 100 reais, e a empresa dobra a quantia em um voucher a ser usado quando a normalidade voltar.
A plataforma criada pela Bohemia convoca os botequeiros a comprar vouchers dos seus balcões preferidos nos valores de 25, 50 ou 100 reais. De novo, o uso será feito quando a epidemia der uma trégua.
Menu do Amanhã
Cerca de 45 estabelecimentos cariocas oferecem por esta plataforma vouchers vantajosos. No Quadrucci, por exemplo, pagam-se 120 reais e consomem-se 150.
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E agora, chef?
O universo das panelas pós-coronavírus, segundo especialistas que já refletem sobre o mundo sem pandemia:
O hábito de pedir comida em casa, cultivado agora, deve permanecer — e os serviços de delivery seguirão se aprimorando. Logística mais eficiente, conduta adequada do entregador e até drones para a entrega estão no horizonte.
A higienização sistemática, embora fundamental, está longe de ser unanimidade nas cozinhas profissionais. Seguir os procedimentos para garantir a segurança alimentar, como manipular e armazenar insumos de acordo com as normas da Vigilância Sanitária, tende a fazer parte da rotina.
Depois de uma temporada se alimentando com a comida de casa, as pessoas buscarão cada vez mais “comida de verdade”, sem muita pirotecnia, mas alentada no sabor.
Restaurantes deverão redimensionar sua operação para um número menor de comensais e rever conceitos — menos mesas no salão (dispostas a uma distância segura umas das outras) e cuidado redobrado com clientes e funcionários são tendência.
Sustentabilidade e agroecologia são termos que deverão ganhar como nunca relevância na sociedade pós-pandemia. Atitudes conscientes serão cobradas por um consumidor ainda mais exigente. Evite o desperdício. Respeite a sazonalidade. Valorize o produto local. Cobre justamente.