A complexa operação para receber os cavalos dos Jogos Rio 2016
Planejamento de transporte e acomodação dos 315 animais das provas de hipismo é o mais complexo da Olimpíada
Da alimentação de 10 500 atletas às precauções contra ataques terroristas, são intermináveis os detalhes que compõem os preparativos para os Jogos de 2016. A lista é longa e traz uma revelação curiosa: os maiores cuidados não são dispensados a estrelas como o velocista jamaicano Usain Bolt, o craque do basquete americano LeBron James ou o nadador brasileiro Cesar Cielo. Na verdade, esses bípedes ilustres dão menos trabalho do que estrelas de quatro patas como Fabriano, Opgun Louvo e Pancho Villa, três dos 315 cavalos que vão mobilizar um batalhão de 200 pessoas para viajar até o Rio a partir de 29 de julho do ano que vem. A caminho da Olimpíada, e oriunda de mais de vinte países, da África do Sul ao Japão, essa manada de cavalgaduras vai disputar provas nas quatro modalidades de hipismo — adestramento, CCE (sigla para concurso completo de equitação), hipismo paralímpico e salto. Só os gastos com a operação de deslocamento de atletas equinos estão orçados em 10 milhões de reais (veja o quadro abaixo).
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A cidade de Liège, na Bélgica, país onde vivem muitos dos animais convocados para as provas, vai concentrar a maioria dos onze voos sem escalas programados. Cada aeronave será equipada com até vinte estábulos aéreos capazes de abrigar, cada um deles, duas montarias. Confortáveis e seguros, os espaços dispõem de piso forrado de palha, água e ração, além de monitoramento constante de tratadores e veterinários. Logo após o pouso no Galeão, os bichos têm a documentação conferida, como todo mundo. Exibem até uma espécie de passaporte, com informações como a descrição física e a lista de vacinas tomadas. Cumpridos os trâmites, as criaturas de porte respeitável, com cerca de 550 quilos, vão embarcar, por uma rampa construída especialmente para a ocasião, em veículos desinfetados. No comboio, os animais serão transportados em cinco caminhões, acompanhados de um trailer-ambulância e uma van com profissionais a postos, até o Centro Olímpico de Hipismo, em Deodoro, sede da competição. Devidamente calculado, o tempo gasto no trajeto deve ser de quarenta minutos.Por questões sanitárias, Deodoro vai ser o único pouso desses convidados especiais enquanto durarem as provas. “Os cavalos não sairão de nossas instalações em nenhuma hipótese”, explica Juliana Freitas, gerente de serviços veterinários da Rio 2016. Toda a rotina de alimentação e tratamento médico exigida pelos corcéis será feita no local. Esteiras para corrida, massagens com fisioterapeuta e sessões de acupuntura estão entre os mimos oferecidos pelo comitê olímpico aos futuros hóspedes das cocheiras na Zona Oeste. Tamanha delicadeza se justifica pela grande sensibilidade dos envolvidos. “Cavalos têm cólica por stress, por exemplo”, diz Rodrigo Pessoa. O cavaleiro brasileiro, que vai participar da Olimpíada no Rio, foi campeão olímpico em 2004, na cidade de Atenas, montando o hoje aposentado Baloubet du Rouet.
Rodrigo Pessoa conta há quinze anos com os serviços do mesmo tratador, profissional responsável por seus animais em um haras na Bélgica e dedicado a jornadas de trabalho de até dezesseis horas. Os cuidados, como se vê, não se limitam apenas à temporada de provas, já que o valor desses animais únicos, enormes e delicados pode chegar a 40 milhões de reais. Nem mesmo todas as precauções já tomadas e programadas, no entanto, evitam sustos que podem pôr tudo a perder. Dois casos de mormo registrados em fevereiro, e suspeitas levantadas ao longo do primeiro semestre, ameaçaram ofuscar o evento-teste de hipismo em Deodoro, marcado para ocorrer entre os dias 6 e 9 de agosto. Causada pela bactéria Burkholderia mallei, a doença afeta o pulmão e a pele dos animais. Confirmada a infecção, o cavalo é sacrificado. Afastado o perigo, o torneio transcorreu normalmente e um acordo em torno de regras sanitárias, assinado pelo Ministério da Agricultura brasileiro e pela União Europeia, foi fechado no fim de outubro. Tudo para que estrelas de quatro patas, como os citados Fabriano, montaria do japonês Masanao Takahashi, Opgun Louvo, da alemã Sandra Auffarth, e Pancho Villa, do americano Boyd Martin, possam brilhar sem preocupação. Por essas e outras, Ricardo Cotrim, diretor de logística da Rio 2016, não hesita em afirmar: “Essa é a operação mais complexa dos Jogos”.