Assim como a ala das baianas no desfile das escolas de samba, ter um dia dedicado ao heavy metal era obrigatório para qualquer festival de música. Por uma estranha coincidência esse dia também era o das brigas e da confusão. A porradaria começava na bilheteria e só acabava após o último acorde, com saideira na delegacia. Um clássico do rock’n’roll, afinal sobravam hormônios na plateia, um bando de adolescentes descerebrados revoltados com a mesada dos pais, as aulas de matemática e a indiferença feminina.
Eu, é claro, estava entre eles, os meus amigos na época eram Toninho, o Tom Demo, criador da primeira seita satânica do Bairro Peixoto; Valter, o Val Sinistro, vocalista do Gambá Sequelado, uma banda com versões hardcore dos hits da Xuxa; Marcos, o Marcão Metal, que gritava o bordão “longa vida ao heavy metaaaaaaal !!!” ao de partir para briga com quem falava mal do seu ídolo Ozzy, e Tavico, o Black Future, um sujeito ao mesmo tempo depressivo e deprimente, cujo apelido era autoexplicativo. O pessoal era gente boa, mas acabei me afastando. Esse negócio de briga e confusão não é comigo. E, andando com Demo, Sinistro, Metal e Black Future a história, não ia acabar bem.
O tempo passou e nunca mais ouvi falar deles.
Em dia de Tears for Fears na Cidade do Rock, vi numa das filas um cabeludo que me pareceu familiar. Só que o que era desgrenhado, tipo ninho de urubu, tinha virado um babyliss bem cuidado. A camiseta de banda, preta e puída, foi trocada por uma versão agarradinha off white com decotão em v até o meio do peito. E no lugar das espinhas e dos fiapos de barba entrou muito glitter e purpurina.
Marcão Metal estava bem diferente.
Me aproximei. Marcão Metal? Marky Gaga, respondeu. Fiquei na dúvida mas no braço esquerdo, disfarçada por uma borboleta e um beija-flor, ainda estava a tatuagem do 666, the number of the beast.
Era ele mesmo.
Quando o Marcos finalmente me reconheceu foi, outra novidade, super gentil comigo – fiz Socila, explicou – e me apresentou ao namorado, Gabriel, o Gaby Boy. Um casal apaixonado. Sinistro, Demo e Black Future fariam gosto. O agora Marky contou que ainda não tinha engolido o forfait da sua ídola, Lady Gaga. Estava arrasado. Só de tocar no assunto percebi os olhinhos lacrimejarem sentidos. Até fiquei comovido, mas precisava ir ao palco Sunset. Passo aqui mais tarde, avisei.
Na volta vi Marky em um bate boca. Perguntei ao Gaby Boy o que havia acontecido.
– Ai meu Deus, faz alguma coisa! Uns fãs da Madonna falaram mal da Lady Gaga e ele foi lá furioso. Nem parece o Marky que conheço.
Uma vez metaleiro, sempre metaleiro: gritei o bordão “longa vida ao heavy metaaaaaaaal !!!!” e fui embora correndo.
Esse negócio de briga e confusão não é comigo.