Foram apenas quarenta minutos, mas para Anderson Silva, o maior astro brasileiro das artes marciais mistas, pareceram uma eternidade. Até então, a segunda-feira 3 de novembro havia sido um dia normal de treino, quando, de repente, o ex-campeão dos pesos-médios da modalidade se viu prostrado sobre o tatame da academia XGym, no Recreio. O motivo da queda foi uma fisgada violenta nas costas, que se transformou em dor excruciante, travando-lhe completamente a musculatura da região lombar. Aos 39 anos de idade, 1,89 metro de altura e 95 quilos, o Spider, como é conhecido nos ringues mundo afora, ficou ali estirado, aos prantos, enquanto esperava a chegada da ambulância. “Não conseguia me mexer nem sentir as pernas e os pés. Fiquei apavorado, nunca havia passado por nada parecido”, recordou ele na semana passada. Assustado, foi levado da academia a um hospital na Barra. Lá, passou a noite internado realizando uma bateria de exames e foi liberado um dia depois. “Não acreditei quando tive essa dor nas costas. Achei que fosse ficar paralítico”, relembra.
Mais do que o espasmo lancinante, o que atormentou o Aranha foi a perspectiva de não estar suficientemente preparado para voltar aos octógonos. O fantasma da aposentadoria forçada ronda o lutador desde dezembro passado, quando protagonizou um dos episódios mais chocantes da modalidade, no ginásio MGM Grand Garden Arena, em Las Vegas. Sob os olhares atentos de mais de 15 000 espectadores, em uma disputa transmitida para quarenta países, Anderson desferiu um violento chute com a perna esquerda contra o adversário Chris Weidman. Atingiu-o no joelho, a uma velocidade estimada em 55 quilômetros por hora. O impacto foi tão brutal que quebrou dois ossos da canela, a tíbia e a fíbula de Anderson e produziu uma das imagens mais impressionantes registradas na crônica da modalidade (veja no quadro). Naquele momento, uma das maiores estrelas do Ultimate Fighting Championship (UFC), a liga que promove o campeonato mais rico e competitivo do MMA no planeta, passou a viver um sofrido processo que mistura recuperação e superação, entremeado por episódios de depressão. Mesmo sendo comum entre lutadores, a crise de lombalgia ocorrida na academia do Recreio assustou Silva. Principalmente por ter acontecido em meio aos preparativos para um novo combate, marcado para 31 de janeiro, também em Las Vegas. Na ocasião, Silva enfrentará o americano Nick Diaz, um confronto que definirá seu futuro no esporte. “Ainda sinto dores na perna, mas vou chutar com tudo. Esse é meu teste de fogo”, diz. A lesão lombar, entretanto, afastou o atleta dos treinos por dez dias.
A longa trajetória do Aranha para voltar ao octógono começou assim que teve a perna destroçada. Naquela noite, em 28 de dezembro, foi submetido a uma cirurgia para implantar uma haste de titânio de 40 centímetros a fim de corrigir a fratura. “Na primeira noite após a operação, a dor foi insuportável. Enchi a banheira de gelo e enfiei a perna dentro para amortecer”, revela Silva, que não esconde o andar ainda vacilante e reza todos os dias pela total recuperação. Assim que recebeu alta hospitalar, foi para casa, em Los Angeles, e se viu obrigado a enfrentar trinta dias de repouso absoluto, sem poder sair da cama. No quadragésimo dia, ele já não aguentava mais a angústia provocada pelo ócio e, contrariando ordens médicas, saiu do quarto e desceu as escadas, enquanto os filhos registravam a travessura em um vídeo. O filme caiu na internet e rendeu a Silva uma severa reprimenda do médico. Em outro episódio, irritado com a dependência para executar tarefas básicas como levantar-se, realizar sua higiene pessoal ou sentar-se, o esportista se rebelou e, um belo dia, entrou com gesso e tudo no boxe do chuveiro para tomar banho. Resultado: a tala derreteu e os pontos infeccionaram. Antibióticos potentes resolveram a questão, mas a dor nos ossos persistia. Com medo de ficar viciado em analgésicos, a certa altura interrompeu o uso dos medicamentos. Um deles era o Demerol, substância suspeita de fazer parte do coquetel de drogas que levou o cantor Michael Jackson à morte. “Era comum pedir a minha mulher que me colocasse dentro do carro e me levasse a uma área afastada para eu poder gritar sem acordar as crianças em casa”, recorda.
Após a desastrada luta em Las Vegas, Silva perdeu 30% da força muscular da perna esquerda. Desde então, uma força-tarefa de quase uma dezena de médicos, fisioterapeutas e treinadores de boxe, jiu-jítsu, muay thai e MMA vem atuando para resgatar a confiança do lutador. Em termos de preparo físico, o progresso é perceptível. O programa de recuperação inclui três horas diárias de fisioterapia que envolvem desde alongamento e massagens até movimentos dentro da água e circuitos na areia ou na grama. A estimativa feita a partir de sofisticados exames como a avaliação isocinética aponta que 9% já foram restabelecidos — o ideal é que ele chegue a pelo menos 20%. “É um trabalho intenso, mas ele é muito dedicado e responde muito bem aos estímulos”, conta o fisioterapeuta gaúcho Cesar Augusto Demeski, radicado em Los Angeles, que vai dobrar a duração das sessões já no fim deste mês. Em outra frente, a psicológica, a recuperação é mais complexa e menos palpável. A reação dramática do lutador à crise muscular e as dúvidas que ainda tem sobre sua condição física são um sinal de que há um caminho longo a ser percorrido nessa área. “Insisto com ele para contratar um psicólogo. O maior desafio agora é superar o bloqueio mental que criou com o medo de se machucar de novo”, afirma o ortopedista Márcio Tannure, médico do UFC e do Clube de Regatas do Flamengo.
Disputado ao longo do ano, o UFC começou a se firmar como liga independente em 1993 e se transformou em um grande negócio. Cada uma das etapas rende à organização mais de 50 milhões de dólares. Com jeito de apresentação de rock, o grandioso circo armado em torno das disputas hipnotiza a plateia, formada por quase 1 bilhão de fãs ao redor do planeta. Gladiadores modernos, estrelas como Anderson Silva são os principais responsáveis por tamanha paixão movida a chutes, sopapos, supercílios arrebentados e sangue espalhado pelo ringue. Brasileiro mais bem colocado do ranking do UFC, o lutador José Aldo reconhece: “Ainda não apareceu um nome tão forte quanto o dele na categoria”. Segundo a consultoria BDO Brazil, a média de público em eventos com o Aranha é 20% superior, com arrecadação 50% maior e tíquete médio 40% mais elevado do que as demais disputas. Não à toa, o presidente do UFC, Dana White, renovou o contrato da estrela do MMA e acertou mais quinze combates com o lutador. “O cara é o melhor de todos os tempos. Ele é capaz de qualquer coisa, inclusive recuperar o cinturão e sair do sétimo lugar no ranking geral do torneio”, disse White em entrevista à VEJA RIO.
Mais do que uma lenda viva, o brasileiro é um excelente garoto-propaganda. Com origem humilde, imagem de paizão, refratário a bebidas e noitadas e dono de uma voz fina que contrasta com a figura de guerreiro indestrutível, Aranha arrecadou 2,4 milhões de reais em patrocínios apenas em sua última luta. Esse montante a agência 9ine, do ex-jogador de futebol Ronaldo Fenômeno, responsável por administrar a carreira do lutador no Brasil, pretende superar no próximo combate. “O Anderson se machucou, mas o histórico dele não se apaga. As marcas enxergam um grande valor agregado na força de vontade e na superação do atleta. Ele se tornou um herói”, analisa Hebert Mota, diretor de marketing do esportista. Mesmo depois do acidente, gigantes como Budweiser e Duracell seguem apostando no lutador. A Nike, entretanto, não renovou a parceria. Seja como for, a expectativa para a reestreia do astro no UFC é imensa. Em menos de 24 horas após o anúncio da luta de janeiro, as bolsas de apostas americanas apontaram o brasileiro como favorito, segundo o site BestFightOdds, que reúne as principais cotações. “Ele vai chegar com muita gana de vencer. Aposto meu apartamento que o Anderson vai ganhar”, arrisca o experiente Minotauro, outro mito brasileiro do esporte. Agora é o Aranha que precisa se convencer disso.