O sossego na repartição é quebrado por um telefonema da embaixada brasileira em Paris. Na ligação, informam que a casa de leilões francesa Delorme & Collin du Bocage tem, entre seus lotes, um desenho, feito por autor anônimo, de dom Pedro II na adolescência. Empolgado com a notícia, o diretor do Museu Imperial de Petrópolis prepara seu lance. Com o apoio da sociedade de amigos da instituição, arremata a obra por 1 500 euros e engorda a coleção local. “É nossa, faltam apenas os trâmites para importá-la”, conta Maurício Vicente Ferreira Júnior. Fechada em junho, a compra do retrato de dom Pedro II quando jovem é um dos episódios mais recentes na bem-sucedida trajetória de Ferreira Júnior à frente do museu. No cargo há sete anos, ele comemora um recorde: em 2015, até agosto, a antiga residência de verão do último imperador do Brasil recebeu 313 345 visitantes — no mesmo período do ano passado, o número foi pouco superior a 200 000 pessoas, e a maior marca histórica, os 352 430 registrados em 2010, deve ser ultrapassada até o fim de 2015.
Criado por decreto de Getúlio Vargas em 1940 e inaugurado três anos depois, o museu tornou-se o principal cartão-postal da cidade serrana. Uma multidão é atraída pela programação local, que inclui música ao vivo e o espetáculo Som e Luz, recriação cenográfica de um baile do império. Os jardins, bem cuidados, têm projeto elaborado em 1850 pelo paisagista francês Jean-Baptiste Binot. Uma joia arquitetônica, o palácio exibe parte dos mais de 7 000 itens de um acervo que não para de crescer. A lista vai de preciosidades, como a coroa de dom Pedro II — 1,955 quilo de ouro, 639 brilhantes e 77 pérolas —, a peças mais singelas, como o kit de viagem do neto do imperador, o príncipe dom Augusto Leopoldo de Saxe-Coburgo (veja outras aquisições recentes na pág. 38), comprado em leilão na Sotheby’s nova-iorquina. Longe da vista do público, o arquivo reúne 250 000 documentos e fotografias de diversas coleções. Por sua relevância, cinco delas ganharam o selo do Programa Memória do Mundo, da Unesco. É o caso do conjunto de 44 diários de viagem de dom Pedro II.
“O Museu Imperial é um exemplo. É o mais completo e melhor museu do Brasil”, elogia o escritor Laurentino Gomes, pesquisador assíduo na casa e autor de uma trilogia batizada com anos marcantes na história do país: 1808, 1822 e 1889. Destaque entre as 29 instituições federais ligadas ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão do Ministério da Cultura, o centro cultural em Petrópolis ganhou novo fôlego sob a direção de Maurício Vicente Ferreira Júnior. O atual diretor organizou as contas, conquistou a confiança de sua equipe e buscou maneiras de engordar o orçamento, hoje na casa dos 7,7 milhões de reais. A reestruturação da Sociedade dos Amigos do Museu Imperial permitiu, por meio de leis de incentivo, ações como a aquisição de novos itens, a restauração dos antigos — a carruagem da família imperial, entre outros — e a digitalização de 14% do arquivo.
Tímido, de voz baixa, Ferreira Júnior é reconhecido nas ruas da cidade onde nasceu, há 53 anos. No Museu Imperial, começou como estagiário, há pouco mais de três décadas. Formado em história, passou, por concurso, para o departamento de pesquisa e lá fez carreira. Sempre com um par de luvas no bolso e as tradicionais pantufas, usadas para proteger o assoalho, circula pelos cômodos, ouve sugestões, ajeita quadros e distribui lições em conversas com as crianças. Há muitos outros desafios. Além do complexo principal, o museu administra a Casa de Cláudio de Souza, doada pela família do escritor, e, no Rio, a Casa Geyer — no Cosme Velho, a mansão do empresário Paulo Fontainha Geyer, com sua rica coleção de arte, deve abrir para o público em 2016. Estão nos planos a digitalização de todo o acervo e o resgate de ambientes originais do palácio. No 1º andar, o diretor ensina, havia uma capela. “Gostaria que os espaços recontassem de forma mais fiel como era a vida por aqui. Hoje, algumas salas não dizem absolutamente nada”, reconhece. Os entraves para as melhorias desejadas são aqueles típicos da burocracia federal, mas Ferreira Júnior tem apoios importantes. “O museu é uma instituição de respeito. Há muitas peças da família emprestadas, e me sinto muito seguro, mas o Brasil ainda precisa cuidar melhor de sua memória”, afirma João Henrique de Orleans e Bragança, bisneto da princesa Isabel.