Nîmes é um atraente destino turístico. Conhecida como um pedaço de Roma fora da Itália, a cidade no sul da França ostenta um patrimônio histórico notável e preservado. Seu principal cartão-postal, a antiga arena que lembra o Coliseu, construída no ano 27 a.C., vai ganhar um vizinho de desenho futurista. Está prevista para o dia 2 de junho a inauguração do Musée de la Romanité, construção arrojada com 7 000 lâminas de vidro brilhando na fachada. O prédio foi concebido para abrigar antiguidades espalhadas por reservas técnicas da cidade. Ao abastecer exposições temporárias — Gladiadores, Heróis do Coliseu é a primeira delas — e permanentes, o acervo promete passear por 25 séculos de civilização. “O Musée de la Romanité é resolutamente contemporâneo e forma um excepcional mostruário de coleções arqueológicas”, afirma Jean-Paul Fournier, prefeito de Nîmes, sem esconder um orgulho do qual nós, cariocas, podemos tirar casquinha sem embaraço: o projeto é da arquiteta e urbanista Elizabeth de Portzamparc, nascida e criada no Rio de Janeiro.
Em termos de tamanho, o museu de Nîmes, com 9 100 metros quadrados de área, figura como realização modesta no currículo de Elizabeth. Profissional conceituada, ela assina, entre outras obras, a sede do jornal Le Monde, em Paris, e uma torre de 262 metros de altura em Taiwan, com a conclusão das obras prevista para 2021. Depois do triunfo, em 2012, no concurso internacional do qual participaram 103 candidatos, seu escritório começou a dar vida ao prédio de Nîmes. No terraço, Oscar Niemeyer é homenageado em detalhes como o caminho sinuoso que corta o jardim. A lista de colegas ilustres que mudaram a paisagem urbana do Brasil e que Elizabeth de Portzamparc admira inclui ainda Sérgio Bernardes, Lina Bo Bardi e Affonso Eduardo Reidy — criadores, respectivamente, do Pavilhão de São Cristóvão, do Museu de Arte de São Paulo e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Augusto Ivan, também arquiteto, ex-secretário de Urbanismo do Rio, situa Elizabeth entre os grandes nomes de seu ofício: “Ela não teve medo de ser audaciosa em um ambiente milenar. Se conseguiram colocar uma pirâmide em pleno Museu do Louvre, por que ela não poderia ousar também? Essa capacidade de equilíbrio com o entorno é outra de suas características mais marcantes”.
Antes de seguir sua vocação, Elizabeth Jardim Neves curtiu delícias e dores na terra natal ao longo da década de 60. Morando no Leblon e embalada por sinais de mudança nas artes e nos costumes — “no Rio, durante minha adolescência, vivíamos dupla revolução cultural, a mundial e a brasileira”, lembra —, ela decidiu partir em 1969, quando a realidade da ditadura começou a esmagar o sonho. “A problemática social do Brasil havia me direcionado a estudos de sociologia e economia, mas em Paris minhas preocupações evoluíram para assuntos da cidade”, conta. Aos 26 anos, estabelecida na capital francesa, já tinha atuação destacada na área de planejamento urbano. Lá também, em 1981, conheceu seu segundo marido, Christian de Portzamparc, com quem passou a dividir, desde então, o sobrenome, a casa, dois filhos e o escritório 2Portzamparc.
Curiosamente, um trabalho do marido a trouxe de volta ao Rio: Portzamparc, o primeiro arquiteto francês a vencer o prestigiado Prêmio Pritzker (1994), autor de projetos famosos, como o da parisiense Cité de la Musique, foi convocado pelo prefeito carioca César Maia para construir a monumental Cidade da Música, rebatizada de Cidade das Artes. À revelia do arquiteto, a tarefa tornou-se uma novela que, entre embates políticos e denúncias de superfaturamento, durou de 2002 a 2013. Por outro lado, resultou em um portentoso espaço público e aproximou o casal da cidade. “Sempre sonhei em morar no Rio e, durante as visitas a trabalho, Elizabeth me fez descobrir a lenda da arquitetura brasileira, que admirava tanto em fotografias, mas não conhecia”, afirma Portzamparc, que em breve terá bons motivos para vir com frequência ao Rio, já que Elizabeth acompanha a construção de uma casa para a família na Urca. “Vai ficar tão gostosa que teremos de aproveitar. Assim, ficarei com menos saudade dos papos e do bom humor cariocas”, conta a arquiteta, só para deixar ainda mais orgulhosos seus conterrâneos. ß