No pé da Ladeira da Glória, o casario de tom ocre, erguido entre 1908 e 1916, foi residência de membros da elite carioca no começo do século XX. Degradados, nove sobrados de estilo eclético estavam a caminho do tombamento, no mau sentido, mas foram salvos por um empreendimento de fôlego. Propriedade de um fundo de investimentos desde 2010, as casas geminadas passaram por cinco anos de restauro e voltaram a apresentar a exuberância de antigamente. A intenção dos novos donos é lucrar com a obra, claro, mas de forma sustentável, que respeite a importância histórica e arquitetônica do endereço. Seguindo à risca esse enredo tão presente no Rio atual, em meio a transformações na Região Portuária e preparativos para os Jogos de 2016, o conjunto conhecido como Villa Aymoré também tem seu evento-teste: arquitetos, decoradores e paisagistas tomam conta dos imóveis na 25ª edição da Casa Cor, aberta para o público a partir de terça (1º).
A tradicional mostra de decoração vai exibir 42 ambientes, entre áreas internas, pátios e jardins espalhados por cerca de 5 000 metros quadrados. O tema da vez é o “jeito carioca de morar”, a busca pelo equilíbrio entre informalidade e sofisticação em projetos de lofts, estúdios e ambientes de uso misto — como residência e trabalho. Pedro Paranaguá participa do evento pela 22ª vez. Em um ambiente de 86 metros quadrados, o arquiteto instalou seu multicolorido “home office da fotógrafa”, espaço decorado com fotos que praticamente funde área de estar, bancada de cozinha, estação de trabalho, closet e banheiro. Chama atenção no projeto o aproveitamento de esquadrias e do forro do teto originais, além da luz natural vinda da claraboia. “A ideia de trabalhar e morar no mesmo lugar é cada vez mais comum, principalmente porque acaba sendo uma alternativa mais econômica”, diz Patricia Mayer, sócia da 3Plus, organizadora da Casa Cor (veja outros ambientes no quadro).
Belos detalhes na antiga construção de pé-direito alto foram naturalmente incorporados às criações dos profissionais convidados. No estúdio concebido por Mauricio Nóbrega para acomodar um hipotético casal colecionador de arte, parte das paredes ganhou um toque industrial, através do revestimento de telhas metálicas, como as que recobrem um contêiner. O restante revela as pedras da parede original, em contraste interessante com objetos de decoração modernos, como as prateleiras e almofadas que sugerem outros usos para a escadaria no meio do salão. “Cada imóvel tem uma personalidade que não deve ser desrespeitada”, observa Nóbrega, presente em dezoito versões da Casa Cor. Esse também foi o lema adotado pelos jovens arquitetos Carlos Carvalho e Rodrigo Beze no sobrado de estilo industrial que eles conceberam. Na criação da dupla, letreiros luminosos dividem espaço com tubulação aparente e um buraco de janela preenchido por rústicos tijolos. “Quisemos mostrar uma arquitetura que tira proveito das estruturas originais e tende a ganhar força no Rio, sobretudo diante da quantidade de galpões disponíveis na Zona Portuária”, explica Carlos Carvalho.
A restauração da Villa Aymoré custou 50 milhões de reais — o complexo inclui, além dos sobrados, um velho solar, ex-residência da baronesa de Sorocaba, e o antigo Hotel Turístico. Seus proprietários, sócios do fundo de investimentos Landmark Properties, pretendem transformar o lugar em um reduto de representantes da indústria criativa, profissionais de tecnologia, donos de galerias de arte e quem mais estiver disposto a compartilhar ideais de revitalização sustentável. Cerca de 60% do espaço disponível já foi alugado, sinal de que o empreendimento parece estar no caminho certo. “Queremos replicar essa ação em outras construções icônicas do Rio. Imóveis históricos são valorizados mundo afora, mas aqui, onde há tantos, acontece exatamente o contrário”, opina Gustavo Felizzola, um dos sócios do fundo imobiliário. No histórico endereço da Glória, o primeiro teste será a Casa Cor, com expectativa de público de 60 000 pessoas.