Sucesso nos palcos com peças como Trate-me Leão, a trupe tinha um plano ambicioso. Cabelões e figurinos dos anos 70, aliados à euforia provocada pela liberdade que já se fazia sentir naquele começo da década seguinte — mas ainda na ditadura —, os integrantes do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone procuravam espaço para crescer e se multiplicar. Bateram à porta de Zoé Chagas Freitas (1919-2015), mulher do então governador do estado, e, incrível, ganharam da primeira-dama o apoio decisivo para se instalar em um privilegiado terreno com vista para o mar. Foi assim que a turma encabeçada por Perfeito Fortuna fundou o Circo Voador, entre as praias do Arpoador e do Diabo, em 15 de janeiro de 1982. Sonho de um verão, a ocupação artística da orla, intensa, curta e memorável, será revivida através da homenagem a um dos nomes mais conhecidos revelados por lá. Na celebração dos trinta anos da carreira-solo do cantor e compositor Cazuza (1958-1990), o Circo Voador voltará à praia onde tudo começou, entre os dias 12 e 14, em evento com farta programação.
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Aos 16 anos, Luiz Calainho morava em Ipanema quando assistiu a um show do Barão Vermelho no mítico palco do Arpoador. Agora, uma de suas empresas, a Musickeria, concebeu o projeto nostálgico e festivo, orçado em 1,85 milhão de reais. Para saudosista nenhum botar defeito, até mesmo a empresa de engenharia que montou a estrutura de 1982 foi chamada para reproduzir o projeto original, com direito a idêntica armação de tubos de aço coberta por lona azul. O acesso ao Circo redivivo será gratuito, com distribuição de senhas pela internet. “Nossa vocação é trazer à luz episódios representativos da cidade e esse, em particular, tem uma magia poderosa”, diz Calainho. Despejado da Zona Sul no fim de março do mesmo ano em que nasceu, o Circo Voador recomeçou na Lapa em outubro de 1982 e segue sua rica trajetória. Na praia, porém, deu-se desde o início a mágica que Luiz Calainho busca recriar.
Por lá, a experimentação estética do Asdrúbal, companhia de nomes como Perfeito Fortuna, Patrycia Travassos e Luiz Fernando Guimarães, inspirou muitos outros elencos e espetáculos. Na efervescência local, a música também conquistou espaço. Ganharam o palco nomes já prestigiados, a exemplo de Caetano Veloso, e bandas novatas como o Barão Vermelho, de Cazuza, e a Blitz. “Outro dia fui contar uma história daqueles tempos e tive a impressão de que havíamos ficado um ano na praia, mas não chegamos a durar três meses”, lembra Evandro Mesquita, na época ator do Asdrúbal e cantor da Blitz. Um detalhe mostra bem a medida do que aconteceu naquele verão: as despesas iniciais foram pagas com a venda de 6 000 camisetas nos primeiros três dias de programação. Foi bonito, mas não deu para o gasto. Frágil, a primeira lona foi apelidada de “casa dos três porquinhos” — a de palha, menos resistente a sopros e ventanias. “Faltava dinheiro, era tudo na base do fiado”, lembra a produtora Maria Juçá, atual administradora do espaço na Lapa. “No público de hoje tem gente que vem reclamar quando se molha de cerveja. Falta aquele espírito de rebeldia”, compara.
Os tempos são outros, mas Cazuza ainda segue forte como um ícone da juventude. No pacote de tributos ao poeta, que morreu há 25 anos, um de seus primeiros sucessos-solo ganhou nova roupagem e já está tocando nas rádios. Para marcar o trigésimo aniversário do lançamento, a versão Exagerado 3.0 traz o registro de voz da gravação original acompanhado de uma banda formada por Liminha (baixo e violões), João Barone (bateria), Dado Villa-Lobos (guitarra) e Kassin (teclados). Metade da renda obtida com a venda digital da versão será revertida para a Sociedade Viva Cazuza, instituição de assistência a crianças portadoras do vírus da aids criada por Lucinha Araújo, mãe do artista. De certa forma, a boa ação musical sugere que aquele verão de 1982, de paz, amor e festa, ainda não terminou.