Apressado e com um radiocomunicador nas mãos, Gabriel David, de 20 anos, percorria a concentração da Beija-Flor na noite de segunda-feira (12), checando se estava tudo em ordem nas alas. No trajeto, o filho de Anísio Abraão David, bicheiro e mandachuva da escola, era parado várias vezes pelos componentes com o pedido de selfies. Frequentador da quadra e do barracão de Nilópolis desde criança, há três anos tem dedicado especial atenção à organização dos desfiles. Desde que assumiu o cargo de conselheiro da agremiação, empenha-se em renovar a imagem da azul e branco da Baixada Fluminense. Na apresentação deste ano, a Beija-Flor expôs o flagelo da corrupção e suas consequências sociais, num paralelo entre o romance de terror Frankenstein, de Mary Shelley, que completa 200 anos em 2018, e o momento vivido pelo Brasil. O final foi apoteótico. O público desceu das arquibancadas, dançando e cantando o samba atrás da escola. Há muito tempo não se via uma manifestação desse tipo na Sapucaí. A Beija-Flor voltou à glória de Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia, enredo polêmico de 1989, do carnavalesco Joãosinho Trinta, e se sagrou campeã de 2018 na quarta-feira.
O novo conceito mostrado na avenida é a marca que Gabriel pretende imprimir na escola daqui para a frente. No desfile deste ano, deu vários palpites. Aliás, foi ele quem bancou a proposta desenvolvida por Marcelo Misailidis, ex-primeiro bailarino do Theatro Municipal e responsável pela comissão de frente da agremiação há cinco anos. “Entramos na avenida para ganhar, claro. Mas o nosso objetivo maior era chamar a atenção do público. Não dá para ficar uma hora e meia assistindo ao mesmo desfile. O mundo hoje é outro e a Beija-Flor e o Carnaval precisam se modernizar”, diz Gabriel, que, além de conselheiro da escola, é um dos sócios do “Nosso Camarote”, parceria com a promoter Carol Sampaio e o jogador Ronaldo Nazário.
Abrir mão da combinação de fantasias de luxo e desfile técnico que tantos campeonatos trouxe para a escola não foi fácil. Gabriel enfrentou muita resistência. A Beija-Flor não tem um carnavalesco propriamente dito. O posto é mais amplo e ocupado por Luiz Fernando do Carmo, o Laíla, que comanda a comissão de Carnaval. Acostumado a ditar as ordens na escola, ele não escondeu de ninguém seu desagrado com o poder cada vez maior nas mãos de Misailidis. Até as alegorias, que há anos eram decididas exclusivamente por Laíla, ficaram a cargo do ex-bailarino. O próprio Anísio teve de interferir algumas vezes para apaziguar os ânimos na diretoria. “Não sou contra mudanças. Eu mesmo tentei fazer uma grande tribo no desfile passado, mas fui malsucedido. Agora, fiquei de fora das alegorias por outro motivo, mas não me cutuca porque não vou falar”, disparou Laíla em meio ao desfile, visivelmente desconfortável com a pergunta. O fato é que, com o sucesso do Carnaval de 2018, Gabriel e Marcelo ganharam mais força dentro da Beija-Flor. “Tirei uma âncora do pescoço. Muitas pessoas diziam que a própria comunidade não iria reconhecer a Beija-Flor por causa das mudanças”, afirma Misailidis.
Filho mais velho de Fabíola Oliveira, segunda mulher de Anísio, Gabriel é o típico menino da Zona Sul carioca. Estudou na The British School, reduto da elite carioca, e cursa o quinto período de administração na PUC. Adepto dos esportes, gosta de lutas como muay thai, jiu-jítsu e boxe e ainda pratica snowboard em suas viagens internacionais. Segundo os amigos, não fuma, bebe apenas socialmente e tem aversão a drogas. Seu endereço é a opulenta cobertura tríplex localizada na Avenida Atlântica que pertenceu a Roberto Marinho, onde mora com os pais. “Somos uma família muito unida. O almoço de domingo, por exemplo, é sagrado”, diz a mãe, Fabíola, que conheceu Anísio há 28 anos, num concurso de beleza em que era uma das concorrentes. O apego aos pais é tão importante que Gabriel desistiu de estudar negócios nos Estados Unidos depois que Anísio, de 80 anos, disse que ia sentir muito a falta do filho se ele viajasse. Ao permanecer no país, ganhou do pai a sociedade numa firma de construção civil que investe em imóveis na Baixada. É também dono de uma empresa de eventos e famoso na alta-roda por uma característica peculiar: a mão fechada. “Não é que seja pão-duro, só não gosto de gastar dinheiro à toa, em noitada, por exemplo. Gosto de empreender”, diz ele.
O camarote Nosso foi outra aposta ousada. A empreitada custou 10 milhões de reais e, até a Quarta-Feira de Cinzas, a conta entre receita e despesa estava empatada. “Acho até que vamos ter um pequeno lucro. A previsão era que teríamos um prejuízo de 1 milhão e meio ou 500 000 reais. Acompanho tudo, na ponta do lápis. Em casa, sou muito cobrado pelo que faço com o dinheiro”, afirma ele, deixando claro que, dos negócios do pai, só se envolve mesmo com o Carnaval.
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