Foram dez anos longe do Rio de Janeiro, justamente o berço do surfe no país. Feitos um para o outro, o Circuito Mundial está de volta ao litoral carioca. A partir da próxima quarta (11), as principais feras da modalidade disputam a etapa brasileira, programada para as praias da Barra e do Arpoador, com possibilidade de se estender até o domingo (22) da semana seguinte. Se Netuno ajudar e o mar não estiver calmo demais, em seis dias sairão os vencedores tanto da competição masculina quanto da feminina. Do contrário, o prazo flexível permite a espera por ondulações maiores. Presença mais aguardada entre todos os participantes, de sete nacionalidades, o americano Kelly Slater briga pelo seu 11º título mundial. O maior surfista de todos os tempos é o obstáculo a ser superado pelos brasileiros, que estão em busca do troféu em seu próprio território. Quatro homens fazem as honras da casa: Adriano de Souza, o quarto colocado geral após as duas primeiras provas da temporada, Heitor Alves, Raoni Monteiro e Jadson André, que, por sinal, venceu Slater numa emocionante bateria final no ano passado, em Imbituba (SC). Argentino radicado em Santa Catarina, Alejo Muniz reforça o elenco. Entre as mulheres, haverá duas anfitriãs na água: a cearense Silvana Lima e a carioca Maya Gabeira. A outra brasileira integrante da elite do esporte, Jacqueline Silva, ainda se restabelece de um acidente de carro sofrido no mês passado na Austrália. “A prova tinha de voltar para o Rio, onde o surfe nasceu e se desenvolveu no país”, afirma o catarinense Teco Padaratz, ex-profissional das ondas e atual detentor dos direitos de comercialização do torneio.
OS NÚMEROS DO CAMPEONATO
7 Países
36 Atletas
Premiação: 500.000 dólares
Investimento: 6.000.000de reais
Há uma série de atividades paralelas previstas, o que traz ao evento um atrativo a mais. Simultaneamente à competição em si, a faixa da Barra, na altura do Posto 4, terá espaços destinados à prática de exercícios praianos, como futevôlei, altinho (rodinha de controle de bola) e slackline (corda esticada na qual são feitas manobras de equilíbrio), além de uma máquina para dar impulso extra aos praticantes de skinboard, tábua de madeira que desliza na areia de encontro ao mar. No Arpoador, o foco será mais cultural, com shows e mostras de fotos, filmes e pranchas antigas. Virá à tona a história dos primórdios do esporte no Rio, quando, na década de 50, os pioneiros Jorge Paulo Lemann, que depois se tornaria um dos mais bem-sucedidos empresários do país, Arduíno Colassanti e Jorge Grande começaram a se arriscar no mar agitado do Arpoador com toscos pranchões de madeira que mais parecem carroças se comparados ao equipamento atual, menor e mais leve, propício ao chamado “aéreo”, manobra radical na qual o praticante voa sobre a onda.
Naturalmente, a capital abrigaria a primeira prova do Circuito Mundial por aqui, realizada em 1976. “Fizemos tudo na base do improviso”, lembra Rico de Souza, um dos competidores, que chegou a hospedar em casa alguns adversários que vieram de fora. “Montamos um palanque mínimo no Arpoador, onde só cabiam os três juízes”, conta. De lá para cá, quanta diferença. Ao longo do tempo, o torneio ganhou estrutura altamente profissional e números expressivos. A prova de estreia, por exemplo, reuniu apenas dez atletas ? cinco deles brasileiros ?, que lutavam pelo prêmio de 5 000 dólares, uma ninharia diante dos 500 000 dólares destinados aos primeiros colocados na prova de agora, a maior soma da história do World Tour (WT) ? nome oficial do Circuito Mundial. Apesar da organização um tanto amadora, cerca de 10 000 pessoas compareceram ao Arpoador e vibraram com a vitória do carioca Pedro Paulo Lopes, o Pepê, que morreria em um acidente de asa-delta em 1991. O personagem que virou até nome de praia será homenageado desta vez.
O retorno da principal competição internacional não deixa de ser uma reparação à cidade em que o surfe há muito transcendeu a condição de simples esporte para se tornar uma manifestação mais ampla, que influencia tendências de comportamento e da moda. Aqui foram criadas algumas das principais grifes do país inspiradas no estilo de vida alegre, solar, despojado e de intimidade com a natureza que é típico dos surfistas. Caso emblemático é o do empresário Fred d?Orey, que emergiu das competições profissionais nos anos 70 e aproveitou para criar a marca Totem. “O campeonato não se limita à competição”, explica Carlos Moreira, um dos organizadores da festa. “Ele será um mergulho na cultura carioca, que é essencialmente praiana.”