“Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro”, diz um dos versos de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em Confidência do Itabirano. Outro mineiro, de Paraisópolis, Amilcar de Castro (1920-2002) também misturou metal e poesia na obra singular que o transformou em um dos mais importantes escultores do país. Sua rica trajetória inclui, além da influência eterna da terra natal, férteis períodos vividos no Rio e em Nova York, cidades de volta à rota de seu trabalho. Em uma moderna construção na Gávea, a galeria Silvia Cintra + Box 4 abriga sucinta exposição que sobressai pelo ineditismo. Dona do espaço que leva seu nome, a marchande ainda se prepara para inaugurar, na quinta (4), em uma das mais importantes feiras de arte do mundo, em Nova York, uma retrospectiva com obras do artista.
Desde o acerto da parceria, feito no balcão de uma padaria sem atrativos em Belo Horizonte, Silvia Cintra completou trinta anos como representante oficial de Amilcar de Castro no Rio. Para celebrar a data, abriu as portas de seu endereço com peças que buscam aproximar o público do homem por trás do gênio (confira ao lado algumas obras expostas). Famosas esculturas geométricas de ferro marcam presença entre surpresas como croquis rabiscados por anotações — de contas a nomes de fornecedores — ou um prosaico tampo de mesa salvo do ateliê e elevado à condição de mural. Quem lembra a história é a galerista: inconformado com a qualidade dos pintores de sua época, o artista decidiu cobrir com tinta marcas aleatórias feitas sobre a madeira. “Um dia ele me ligou e disse que tinha criado um Jackson Pollock”, lembra Silvia, que até hoje ri da comparação, nem tão disparatada assim, com o renomado pintor abstrato americano.
Na terra de Pollock, Amilcar de Castro será exibido em uma poderosa vitrine do mercado de arte: a feira de negócios Frieze. A estratégia da galerista é chamar a atenção do mercado internacional para o escultor, um nome brasileiro de prestígio, mas ainda não cotado em valores estratosféricos, como acontece com seus contemporâneos Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. À venda por preços que partem dos 50 000 reais, serão expostos em Nova York quatro esculturas criadas pelo artista quando morou na cidade, entre 1968 e 1971, 35 croquis, desenhos da década de 70 e pelo menos um tesouro: uma série de 140 esculturas em pequenas dimensões, conjunto hoje avaliado em, o.k., estratosférico 1 milhão de dólares.
Como Drummond, Amilcar de Castro deve muito a Minas Gerais. Tanto que, quando encerrou sua temporada americana, voltou ao estado de origem em busca de inspiração e matéria-prima para trabalhar. No entanto, foi no Rio, onde viveu de 1952 até a partida para Nova York, que ganhou notoriedade. Como diagramador, antes de conseguir viver apenas do ateliê, ele participou da histórica reforma gráfica do Jornal do Brasil. Ao lado de nomes como o poeta Ferreira Gullar, foi um integrante de primeira hora do neoconcretismo. Na redação e na convivência com seus pares, criou estilo único, que empresta leveza e movimento a materiais pesados. Forjada a ferro e poesia, sua relação com a cidade é lembrada na exposição da galeria Silvia Cintra e em plena rua: no final do Leblon, onde a Avenida Delfim Moreira se encontra com a Avenida Niemeyer, enfeita a orla Estrela, uma imponente escultura do artista, que morou ali por perto em sua temporada carioca. ß