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São 22h30 de uma quarta-feira. Vinte policiais militares marcham pela Praia do Jequiá, na Ilha do Governador, em direção a um ginásio tomado por barras de ferro, pneus, caixotes e cordas. Guiados pelo lema “O único dia fácil foi ontem”, estampado em uma bandeira, eles iniciam mais um dia no Curso de Ações Táticas, idealizado para aqueles que almejam se candidatar a uma vaga no Batalhão de Operações Especiais, o temido Bope. Com duração de uma hora, o plano de exercícios, intenso e dinâmico, é dividido em quatro partes, a começar pelo aquecimento. Uma sessão básica de 75 abdominais, cinquenta agachamentos e 25 flexões na barra. É que o pior ainda está por vir. A seguir, eles encaram mais duas baterias de atividades pesadas e extenuantes, entremeadas por séries de agachamento, levantamento de peso, pulo no caixote, subida em corda, manobras na argola, até chegar a hora do alongamento. Trata-se de uma aula de crossfit, modalidade que ganhou fama nos Estados Unidos ao ser usada para condicionar as forças especiais do Exército, e que acaba de ser adotada na preparação do batalhão de elite do Rio. “Esse tipo de treino é capaz de simular todas as atividades que desenvolvemos em ação, como atravessar barreiras e subir morro”, diz o coordenador do grupo, Tenente Melo.
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É normal esperar tamanha exigência com o condicionamento físico de militares que cumprirão suas atividades profissionais em meio a situações-limite, em que o bom preparo pode significar a diferença entre viver ou morrer. Entretanto, o mesmo pacote de exercícios que deixa os rapazes do Bope exauridos (e saradões) tem sido adotado por uma legião de cariocas para chegar à silhueta que parece esculpida a cinzel. A modalidade, que gasta em média 1 000 calorias por aula, vem atraindo aqueles que buscam o que no jargão dos iniciados se chama de “corpo seco e trincado”, bem diferente daquele biótipo de academia, com músculos estufadões. E não são apenas rapazes. Entre a tralha que se acumula nos galpões onde são realizados os treinos e que mais lembram garagens, é possível ver moças forçando o muque, dependuradas em cordas, arrastando pneus enormes, entre elas celebridades como a atriz Giovanna Antonelli. Adepta desde o início do ano, a atriz alia à prática uma alimentação saudável, mantendo assim os 60 quilos e um invejado manequim 38. “Já tentei MMA, judô, capoeira, mas nenhum esporte deixou meu corpo tão forte e definido”, explica Giovanna, que treina de segunda a sexta. A cada dia, ela encara uma série nova, que, assim como a do Bope, é dividida em quatro etapas. “Aqui não tem aquela monotonia de treinar nos mesmos aparelhos de musculação sempre, além do que você trabalha o corpo todo em apenas uma hora”, defende a atriz, que é aluna da CFP9, na Barra, frequentada também por Bruna Marquezine, Reynaldo Gianecchini e Bruno Gagliasso.
Criado na Califórnia pelo treinador Greg Glassman há quase duas décadas, o crossfit alia técnicas de três modalidades esportivas: o atletismo, a ginástica olímpica e o levantamento de peso. A grande sacada do americano foi reunir em uma única aula uma série de exercícios para simular os movimentos naturais do corpo, e indiretamente contornar as limitações impostas pelo sedentarismo e pelo estresse da vida moderna. De forma geral, o esporte não só ajuda nas atividades cotidianas, aumentando a agilidade, a coordenação e a precisão, como melhora os níveis de colesterol e a resistência cardiovascular e respiratória. Com o alto gasto calórico e os exercícios de força, vêm a reboque outros benefícios, como a definição rápida dos músculos e a perda de peso acentuada. Só no primeiro mês da atividade, junto com uma dieta equilibrada, o estudante André Ambrosio, de 17 anos, perdeu 8 dos 114 quilos que acumulou após um período envolvido nos estudos para o vestibular. Ao fim de sete meses dedicados à atividade, já havia eliminado todo o excesso. “Vi meu corpo mudar e me dei conta de que tinha músculos que nem imaginava”, diz o futuro calouro do curso de direito, aluno da academia Iron Box, também na Barra.
Com as estrelas da televisão aderindo à prática e os resultados exibidos nos corpos que circulam do Leme ao Pontal, um fenômeno começou a ser notado entre os fãs da malhação: uma acelerada migração das academias tradicionais para os ginásios de crossfit. Como consequência, apenas neste ano, o número de locais habilitados a oferecer o treino na cidade quintuplicou. Isso fez com que se acendesse uma luz vermelha nas grandes redes que as levou a incorporar rapidamente o formato na grade de atividades. Em abril deste ano, a Companhia Athlética, na Barra, criou uma aula semelhante, que vem operando com a sua capacidade máxima de quinze alunos por turma. Já a Bodytech está na fase final para a abertura de quatro ginásios ainda neste ano, no Rio, em São Paulo, em Salvador e em Brasília. Com investimento de 160 000 reais em cada sala, a ideia é inaugurar mais seis até o fim de 2015. “É uma atividade de alto impacto e, por isso, mais arriscada. Mas, se bem supervisionada, pode ser altamente motivante”, diz o diretor técnico Eduardo Netto. Além dos riscos de lesões, dada a alta intensidade dos exercícios, a prática descontrolada pode levar a problemas como cardiopatias e alterações osteoarticulares. No entanto, segundo uma pesquisa publicada no Journal of Strength and Conditioning Research, o índice de lesões geradas pelo esporte chega a três a cada 1 000 horas de treinamento, enquanto atividades como corrida na esteira podem alcançar o dobro desse índice. “Não existe esporte que não ofereça algum tipo de risco quando há excesso. O importante é alcançar o equilíbrio”, alerta o doutor Romualdo Lima, especialista em medicina esportiva.
Como sempre acontece às vésperas do verão no Rio, os cariocas elegem uma modalidade que vai processar o milagre de expurgar as gordurinhas e deixar o corpão sarado e esguio para o habitual desfile pelas areias. Nos anos 70, esse papel coube às aulas de ginástica localizada, seguidas pelos exercícios aeróbicos na década seguinte. Nos anos 90, foi a vez de o step atiçar o público feminino, acompanhado de uma gama de modalidades diversificadas, como o body combat, que combinava movimentos de diversos tipos de arte marcial, e o RPM, uma espécie de spinning coreografado. Qualquer que seja a atividade da moda, uma regra é clara: para alcançar a meta é preciso muito esforço, empenho e dedicação. E perseverança. “Fiquei tão destruída no primeiro dia de aula que pensei em não voltar”, diz Carolina Rocha, 25 anos, que demorou oito meses até conquistar o perfil muscular desejado com o atual treino da moda na CrossCit carioca, em Ipanema. Quem experimenta diz que viveu duas eras: a A.C., antes do crossfit, e a D.C., depois do crossfit. Isso até o próximo verão.