Visionário, Oswaldo Cruz não promoveu apenas inestimáveis avanços na área de saúde pública nas primeiras décadas do século XX. O médico sanitarista, um dos precursores no estudo de moléstias tropicais, que combateu a peste bubônica e liderou campanhas de erradicação da febre amarela e da varíola, entre outros feitos, também teve papel fundamental em legar às futuras gerações registros valiosos desse colossal esforço científico. Em 1903, um ano depois de assumir a direção do Instituto Soroterápico Federal (hoje Fundação Oswaldo Cruz), o cientista contratou um profissional para perpetuar em imagens a rotina do recém-criado centro de pesquisas e de seu entorno, em Manguinhos. Joaquim Pinto da Silva, que assinava seus trabalhos como J. Pinto, permaneceu como fotógrafo oficial da entidade até 1946. São justamente reproduções desse período, a maioria nunca exibida ao público, que compõem a exposição Manguinhos Revelado: um Lugar de Ciência, com abertura marcada para o dia 11, no Museu Histórico Nacional. “É a mostra mais significativa do acervo da instituição já realizada até hoje”, ressalta a historiadora Aline Lopes de Lacerda, chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz.
Uma conjunção de fatores contribui para que essa exposição tenha um significado especial. Ela só foi possível graças à digitalização de um arquivo com 8 000 imagens gravadas em negativos de vidro — técnica usada nas primeiras décadas do século passado —, processo que demorou mais de um ano e meio. Com exceção de retratos icônicos como o do físico Albert Einstein ao lado de cientistas em Manguinhos, de 1925, e o do sanitarista Carlos Chagas em uma baleeira no Amazonas, datado de 1913, vários registros nem sequer haviam sido processados em papel. Desse acervo, que desde 2012 é considerado pela Unesco integrante do Patrimônio Documental da Humanidade, foram pinçadas 120 fotos. Parte delas estará ampliada e outras poderão ser vistas em monitores e projeções. A seleção retrata as origens da fundação, criada em 1900, o cotidiano de produção de soros e vacinas, os trabalhos na área de pesquisa e ensino e as expedições dos cientistas pelo país. Há ainda um conjunto de fotografias que revelam as mudanças na paisagem da região, remota na época da criação do câmpus. Por exemplo, nos primeiros anos da instituição, erguida no terreno da antiga fazenda de Manguinhos, só se chegava ao local de trem, pela Estrada de Ferro Leopoldina, ou de barco. As águas da Baía de Guanabara iam até bem perto do centro de pesquisa — a Avenida Brasil só começou a ser construída em 1939. “Além de conhecer um pouco do desenvolvimento da saúde pública no país, tem-se a chance de ver a evolução urbana da cidade”, observa o arquiteto Renato Gama-Roza, pesquisador do Departamento de Patrimônio Histórico da Fiocruz.
Considerado a mais importante instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina, o complexo de Manguinhos reúne hoje mais de 7 000 profissionais e tem capacidade para produzir, além de uma infinidade de medicamentos, cerca de 150 milhões de doses de vacinas por ano. O protagonismo da organização vem, no entanto, desde os seus primórdios. Entre as fotos selecionadas para a exposição está a de dois técnicos, protegidos por vestimentas que só deixavam os olhos à mostra, trabalhando na abertura de ovos e retirada de embriões para a produção da vacina contra a febre amarela. Embora a maioria das imagens seja creditada ao fotógrafo J. Pinto, há algumas feitas por seus assistentes e outras de autoria desconhecida. Na mostra, ainda haverá um espaço dedicado à fotografia de 100 anos atrás, com equipamentos e a reprodução de um laboratório. Um retrato fiel do início da Fiocruz e da sua relevância.