Uma inconfundível monocelha e o buço proeminente destacam-se no rosto da mulher que manca e sente dores crônicas, vitimada pela poliomielite e, na juventude, por um grave acidente de ônibus. O aspecto frágil, e distante dos padrões de beleza, não a impediu, no entanto, de entrar para a história como um ícone pop. A mexicana Frida Kahlo (1907-1954) já foi interpretada no cinema pela atriz Salma Hayek, uma voluptuosa conterrânea. Sua imagem e as de suas criações são usadas para vender produtos e, nos últimos três anos, inspiraram coleções de estilistas renomados, a exemplo de Alberta Ferreti, Kenzo e Valentino.
De onde vem essa força? Pode ajudar na resposta uma visita à exposição Frida Kahlo: Conexões entre Mulheres Surrealistas, em cartaz na Caixa Cultural a partir de sábado (30). Estrela da mostra, a mulher do célebre muralista Diego Rivera (1886-1957) — a crônica de idas, vindas e traições na relação dos dois alimenta o mito em torno dela — tem trinta de suas obras exibidas. São vinte óleos sobre tela e dez trabalhos em papel, entre desenhos, colagens e litografias, o maior acervo da pintora já exposto no país. Roupas e objetos típicos do seu jeito peculiar de se vestir, marca mais vistosa do estilo libertário de Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, também serão apresentados. Além disso, cerca de 100 trabalhos de outras catorze mulheres artistas ligadas à escola surrealista, nascidas ou radicadas no México, engrossam a exposição. Marcam presença nomes como Maria Izquierdo, Leonora Carrington, Remedios Varo e Rara Avis (veja o quadro). Uma mostra de cinema completa o programa. Ousadia, nos costumes e na produção artística, é o elemento comum a toda a coleção reunida. Frida Kahlo, claro, é a representante maior dessas qualidades. “Os movimentos feministas enfatizaram sua liberdade e sua independência”, ressalta Teresa Arcq, pesquisadora mexicana e curadora da exposição. “Ela mudou o conceito de autorrepresentação na arte. Sua influência atinge o cinema, a música e a moda”, diz.
O prestígio transbordante da artista, que conviveu com personalidades como Pablo Picasso, Leon Trotski e Pablo Neruda, impressiona ainda mais quando se leva em conta sua produção modesta. Em 47 anos de vida, ela deixou apenas 143 telas, entre as quais há muitos autorretratos. Dos vinte quadros que vêm para o Rio, seis seguem essa técnica e outros dois contam com sua figura. Frida praticamente inventou a selfie.Ela mesma, deitada, presa ao solo e desenvolvendo verdes folhagens, aparece em Raízes. Leiloado pela Sotheby’s nova-iorquina em 2006, por 5,6 milhões de dólares, o quadro quebrou, na época, o recorde de preço para obras latino-americanas — que era da mesma autora. A tela não está na lista que Teresa Arcq levantou junto a museus e coleções particulares.
O acervo da famosa Casa Azul, no México, onde Frida e Diego viveram, também ficou de fora: uma norma proíbe a coleção de deixar o local, o que não abalou a curadora. “A maioria dos trabalhos foi vendida enquanto ela era viva, e isso possibilita montar boas exposições”, diz. Em temporada no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, de setembro de 2015 ao último dia 10, Frida Kahlo: Conexões entre Mulheres Surrealistas atraiu 600 000 visitantes. No Rio, tem tudo para repetir o sucesso. Não será surpresa, inclusive, se vier a se tornar o ponto alto na temporada carioca de artes plásticas. Magra, a agenda deste ano anuncia poucas atrações de encher os olhos. Uma delas é Mondrian e o Movimento De Stijl, sobre a vanguarda moderna holandesa capitaneada por Piet Mondrian (1872-1944), que abre as portas no CCBB no dia 11 de outubro. A outra ocupa a Caixa Cultural a partir da semana que vem.