Desde que chegou de Margaret River, na Austrália, em meados de abril, o surfista Gabriel Medina vem seguindo uma árdua rotina. São sete dias consecutivos de treino, durante cinco horas seguidas, em Maresias, praia do Litoral Norte paulista. Na água, ele rema, fura onda e repete à exaustão as manobras e os aéreos radicais que lhe renderam o título de número 1 do surfe em 2014. Já na areia, reforça a musculatura com exercícios com bolas, elásticos e cordas a fim de fortalecer o tronco e melhorar seu desempenho sobre as ondas. Para não correr o risco de contrair uma lesão, está proibido de jogar futebol e de andar de skate, seus hobbies preferidos. Sair de casa e chegar tarde, nem pensar. Assim tem sido a preparação do atleta para o Oi Rio Pro, etapa brasileira do circuito internacional, que acontece entre os dias 11 e 22 de maio na praia da Barra da Tijuca. Para Medina, trata-se de uma prova crucial. E decisiva. Primeiro brasileiro a conquistar o título mundial, após bater o recordista Kelly Slater nas ondas de Teahupoo, no Taiti, no ano passado, ele não teve um bom rendimento nas três primeiras competições deste ano, amargando atualmente a 16ª posição do ranking. “Meu foco é ganhar ou ganhar”, afirmou em entrevista a VEJA RIO. “Quero o primeiro lugar nesta etapa”, sentencia.
Recém-eleito pela tradicional revista americana Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, ao lado de nomes como papa Francisco, Tim Cook, presidente da Apple, e o também brasileiro Jorge Paulo Lemann, dono de empresas como a Ambev, Medina vem enfrentando uma temporada difícil. Das três etapas do mundial realizadas até o momento, todas na Austrália, ele não passou das quartas de final em nenhuma delas. Na primeira, em março, o camisa 10 do surfe (a partir deste ano, os atletas são numerados) foi penalizado por causa de uma interferência e multado por falar palavrão em entrevista à liga mundial da modalidade. Detalhe: um ano antes, naquele mesmo lugar, Gold Coast, Medina começaria a corrida pelo histórico título com uma vitória emocionante sobre o ídolo local Joel Parkinson, campeão do mundo em 2012. Na fase seguinte, realizada em Bells Beach, o canarinho conseguiu uma boa posição, o quinto lugar, mas ficou para trás logo em seguida, em Margaret River. “Acabei perdendo, acontece. Era uma onda que eu nunca tinha surfado antes, com muita pedra. E ainda apareceu um filhote de tubarão, levei o maior susto. Mas vou melhorar”, garante o atleta que começou a treinar aos 9 anos de idade.
O segredo para o sucesso Medina já conhece: foco, disciplina e dedicação. No entanto, não é fácil para um jovem de 21 anos seguir a tríade de ensinamentos passada pelo padrasto e treinador Charles Saldanha, a quem chama de pai. Mais famoso integrante da Brazilian Storm, apelido dado à nova e talentosa geração de surfistas do país, o paulista luta para não se tornar uma espécie de vítima do próprio êxito. Anestesiado pela vitória internacional e pelas férias que se seguiram com muitas noitadas em Florianópolis e no Rio, Medina demorou até retomar o ritmo de treinos. Uma cena inusitada, aliás, chamou atenção em uma festa no Clube Santa Luzia, no Centro, durante a folga do astro em janeiro. Seus amigos e alguns seguranças da área vip dedicaram-se a realizar uma criteriosa seleção das beldades que tentavam se aproximar do cercadinho para conhecer Gabriel. Solteiro, vaidoso (incluindo depilação dos pelos corporais) e bonitão, com 74 quilos bem distribuídos em 1,84 metro, ele despista: “Sou um moleque, tenho as mesmas vontades de todo garoto da minha idade, mas abdiquei de muita coisa para me tornar o melhor. Hoje, sei que preciso me esforçar em dobro”. Graças ao efeito Medina, a previsão de crescimento do público na etapa carioca do circuito é de 80% em relação a 2014, com uma média de 30 000 pessoas por dia disputando os melhores lugares nas areias do Postinho ou do Posto 6, na Barra (veja os destaques da competição no quadro abaixo).
Por aqui, o atual campeão mundial de surfe conta com duas cartas na manga. A primeira: não é qualquer um que surfa bem as ondas cariocas, que quebram em vários pontos por causa do fundo de areia. Como os brasileiros já estão acostumados, largam com vantagem. Ele também guarda uma manobra aérea chamada back flip, que ninguém nunca fez em campeonatos, mas que o paulista vem treinando e torcendo para conseguir executar por aqui, caso o vento permita. Para isso, recorrerá também a uma ajudinha divina. Evangélico, frequentador da igreja Bola de Neve (aquela que ostenta uma prancha de surfe no altar), carrega tatuada no corpo, entre outros desenhos, uma imagem de Jesus. Quase como um ritual, reza todos os dias antes de dormir, ao acordar e sempre antes de cair na água. Lê ainda o Pão Diário, publicação com mensagens bíblicas, e trechos do livro sagrado no aplicativo de celular Bíblia Online. Ali, encontra mais palavras de incentivo, coragem e motivação. “Até gostaria de ler mais, inclusive outros livros, mas acho chato. Ler dá sono”, confessa o atleta. Um dos melhores amigos do surfista, com quem gosta de curtir festas e jogar pôquer, o jogador de futebol Neymar também costuma dar conselhos ao craque das ondas. “Conversamos bastante sobre manter o foco, acreditar no sonho, não desistir e se superar, mas o Gabriel já tem a cabeça muito boa”, revela o camisa 11 do Barcelona.
De olho no potencial do ídolo também fora do mar, as empresas não tardaram em surfar na fama conquistada pelo campeão, apontado neste ano pela revista Forbes Brasil como um dos trinta influenciadores mais poderosos do planeta com menos de 30 anos de idade. Se até o fim de 2014 o atleta, que somou mais de 2 milhões de reais em premiações, contava com oito patrocinadores, agora já tem onze. “Ele despertou um interesse maior nos brasileiros pela modalidade. Passei a acompanhá-lo assim como fazia com o Senna na Fórmula 1 e com o Guga no tênis”, diz o cantor Thiaguinho, outro amigo conquistado depois da fama. Não à toa, atualmente ainda estão em negociação dois novos contratos, com uma companhia aérea e uma empresa do segmento de tecnologia, que querem ter Medina como seu garoto-propaganda. Hoje, sabe-se que o surfista só perde para Neymar em valorização no mercado publicitário – especula-se que o jogador fature 110 milhões de reais por ano. Com cerca de 2,5 milhões de seguidores no Instagram, mais da metade do que ostenta o lendário Kelly Slater, o astro do surfe também será alvo de uma biografia e um documentário, que devem sair neste ano. Mas, antes disso, precisa mostrar na Praia da Barra que é capaz de seguir na crista da onda.