As luzes da arena Coliseo Puerto Rico, em San Juan, na ilha caribenha de Porto Rico, já estavam apagadas quando, às 9 da noite de 11 de setembro, um facho de luz iluminou o centro do palco enfeitado com uma cortina de tiras de papel laminado. Foi através dela que surgiu a espevitada cantora americana Miley Cyrus, de 21 anos, rebolando freneticamente e alvoroçando cerca de 10 000 fãs entre 12 e 25 anos que assistiam à estreia da turnê Bangerz na América Latina. Muitas das moças ostentavam cortes de cabelo idênticos ao da popstar e o mesmo tipo de roupa curta e insinuante que ela costuma exibir. Enquanto isso, do lado de fora da casa de espetáculos, outro grupo de jovens, dessa vez militantes de grupos religiosos, protestavam contra a forasteira famosa por sua atitude iconoclasta e irreverente. De maiô cavado e enfeitado com plumas nos ombros, a jovem nascida no Tennessee conduziu uma apresentação bombástica. Ela dançou o twerk, passo que lembra o dos funks mais proibidões daqui, praticou contorcionismo com a língua, acariciou o próprio corpo com as mãos e simulou ações com seus parceiros de palco capazes de assombrar espectadores desavisados. Dizendo-se de ressaca, bebeu água e cuspiu jatos na plateia, além de provar da piña colada oferecida por um fã. Na canção de encerramento, Party in the USA, sacolejou entre cigarros de maconha gigantes. A garotada vibrava com cada estripulia. “Como em todo show pop, eu me permito brincar e fazer graça com a sexualidade e coisas do tipo. O espetáculo é hipersexualizado justamente para ser engraçado, mas faço muitos covers legais. Acho muito rasas e superficiais as pessoas que vão me ver e prestam atenção apenas no que é chocante”, disse Miley a VEJA RIO.
A apresentação de Porto Rico vista pela reportagem é praticamente idêntica ao show que Miley apresentará na Praça da Apoteose, no próximo domingo, 28. O Rio é a última parada da lucrativa turnê que começou em janeiro deste ano e já passou por Estados Unidos, Canadá e Europa, movimentando mais de 80 milhões de reais apenas no primeiro semestre. Para quem não conhece a artista, trata-se de um ídolo de jovens e adolescentes, que mistura atitude libertária dentro e fora dos palcos, trajada com roupas de grife e adotando um estilo de vida glamouroso. De certa forma, reinterpreta e atualiza o papel desempenhado por Madonna no fim dos anos 80, quando a estrela pop chocava com suas coreografias e vídeos erotizados. Há, no entanto, uma diferença importante. Ao contrário da antecessora, que despontou já adulta para o estrelato, a garota nascida Destiny Hope Cyrus, filha de um cantor de música country, praticamente cresceu à frente das câmeras. Antes de incorporar o papel de devassa de butique, ela brilhou entre 2006 e 2011 como Hannah Montana, personagem atrapalhada e doidivanas do seriado adolescente de mesmo nome produzido pelos estúdios Disney. A imensa maioria de suas fãs acompanhou seu desabrochar pela TV e desenvolveu uma grande empatia com o estilo despachado. E, ao contrário de outras celebridades juvenis que se transformaram em estrelas com forte apelo sensual, como Britney Spears, Miley, pelo menos por enquanto, não se envolveu em escândalos, relacionamentos turbulentos nem ocorrências policiais. “É muito legal ter um ídolo que cresce junto com você e de certa forma serve de inspiração”, diz a estudante carioca Vitória Lobo, de 20 anos, que carrega uma tatuagem no braço esquerdo com a expressão Love never dies, idêntica à da cantora.
“Eu quero educar as pessoas” |
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Qual é o seu objetivo ao fazer um show tão ousado? O espetáculo é hipersexualizado justamente para ser engraçado. Mas, acima de tudo, quero levar educação às pessoas com boa música. Quando eu tinha a idade de muitos dos meus fãs, escutava Led Zeppelin, beatles, mulheres poderosas como Joan Jett e Etta James. No show, faço muitos covers legais. |
Como será seu show no Rio? Vai ser melhor que o de Porto Rico, com certeza. Os brasileiros são meus admiradores mais apaixonados e participativos. Eles não julgam, estão apenas felizes em me ver. |
Mas você vai fazer algo diferente? Será tudo diferente. Estou na estrada desde fevereiro com a Bangerz Tour, e estava ficando entediada de cavalgar naquela porcaria cachorro-quente gigante suspenso. Não deu para trazer nada disso à América Latina, mas por outro lado fico feliz por não ter um show tão coreografado. Simplesmente cantar Led Zeppelin me faz mais feliz. Tenho uma lista com cinquente covers e, a cada noite, escolho quais vou cantar. |
Alguns pais têm receio de que você seja um mau exemplo. O que tem a dizer a eles? Não mordo. Interpretei uma personagem infantil durante muito tempo e tudo o que eu quero agora é ser eu mesma e ensinar os jovens a ser eles mesmos também. Sinto que as mulheres saem do meu show como se tivessem sido libertadas de uma gaiola. Mas o mais importante é ensinar as crianças a ser livres, a gostar de arte, bons livros, bons filmes e boa música. Meu show é sofisticado e inspirador, mas só as pessoas inteligentes enxergam isso. |
Um dos aspectos mais fascinantes da carreira de Miley é justamente sua transformação de ícone infantil em símbolo sexual. Quem assistiu ao último show que ela fez por aqui, Gypsy Heart, em 2011, vai poder comprovar ao vivo a dimensão da mudança. A fortuna pessoal da moça, que na época era equivalente a 50 milhões de dólares, triplicou no período, o que a situa entre as celebridades com menos de 25 anos mais ricas do mundo, de acordo com a revista Forbes. O empresário Larry Rudolph, o mesmo que alavancou a carreira de Britney, é o grande estrategista por trás da nova Miley Cyrus. Em princípio marcada por transgressões pontuais como a polêmica capa para a revista Vanity Fair em 2008, em que aparece seminua enrolada em um lençol, a metamorfose embicou em uma escalada de provocações até chegar ao ápice na escrachada (e friamente calculada) apresentação do Video Music Awards 2013, em que ela dançou de forma obscena com o cantor Robin Thicke. A performance rendeu o recorde de 306 100 menções por minuto no Twitter, superando os 231 000 referentes ao show de Beyoncé no mesmo ano, no Super Bowl. Até hoje a marca não foi superada por outro artista. Auxiliada pelo produtor musical Pharrell Williams, criador do hit-chiclete Happy, Miley começou a moldar um novo perfil artístico materializado no sucesso Wrecking Ball, com o famoso vídeo em que ela se equilibra nua numa bola de demolição – sua aparição no site Vevo, o mais popular exibidor de clipes do YouTube, gerou 12,3 milhões de visualizações apenas nas primeiras treze horas de veiculação e 19 milhões em 24 horas, superando Best Song Ever, da banda One Direction, no mesmo período.
É natural que uma artista cercada de tantas polêmicas deixe os pais dos fãs mais novos preocupados – o show é liberado para maiores de 14 anos desacompanhados e para crianças entre 6 e 13 anos acompanhadas de um responsável. Para fazer frente a essa situação, a empresa Time 4 Fun, responsável pela vinda da Bangerz Tour ao Brasil, postou em suas redes sociais dicas para a meninada vencer a censura familiar. Entre elas está convidar o pai ou a mãe para ir junto assistir às loucuras da loirinha. Profissionais especializados em educação e relações familiares acreditam que uma abordagem franca e aberta sobre temas como sexo e drogas dentro de casa seja suficiente para que a meninada compreenda o contexto das provocações. “O adolescente pode curtir as músicas e o clima do show sem necessariamente repetir o comportamento do ídolo no palco. Afinal, isso é parte do marketing e do showbiz”, diz a psicóloga Elizabeth Carneiro, especialista em relações familiares. A estudante Stéphanie Sani, 18 anos, que acompanha Miley desde a fase de Hannah Montana, corrobora tal argumento. “Não é porque sou fã que aprovo ou gosto de tudo o que ela faz”, diz. Para admiradoras que, como Stéphanie, vão ao Sambódromo no domingo conferir sua performance no palco, a americana manda um recado: “Os fãs podem esperar qualquer coisa de mim no espetáculo. Afinal, aí é a terra do Carnaval”.