A enorme tenda montada no Parc de la Vilette, região nordeste de Paris, fervilhava com mais de 5 000 pessoas vindas de 110 países para ouvir o empreendedor americano Brian Chesky, 34 anos, em novembro do ano passado. Em um discurso arrebatador, Chesky falou para uma plateia de devotos que comungam das mesmas crenças. “Vocês são heróis”, bradou. A audiência explodiu em aplausos. Chesky é o criador do Airbnb, site que tem virado do avesso o mundo da hotelaria e hospedagem ao conectar pessoas interessadas em alugar quartos e apartamentos a viajantes. Acomodado em sua poltrona no auditório, o engenheiro carioca Lucas Herdy ouvia com atenção redobrada cada palavra de Chesky. Desde 2013, quando alugou pela primeira vez um apartamento de sua avó através do Airbnb, Herdy, de 27 anos, viu o que seria apenas uma fonte de renda esporádica se transformar em um ótimo negócio. Hoje, o imóvel de um quarto em Copacabana rende à família, em média, 5 000 reais por mês. Com mais de 100 avaliações positivas, Herdy é parte de uma categoria especial do site, os superhosts, e nessa condição foi convidado para falar na reunião da empresa em Paris. “Fiz uma palestra para 150 pessoas em inglês sobre a relação entre preço e geração de valor para o hóspede”, recorda. A experiência na capital francesa só não foi mais feliz porque, na véspera do último ciclo de conferências, ocorreu a sucessão de atentados que deixou 130 mortos.
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O engajamento de Herdy é a prova concreta de que a atividade de locatário de temporada definitivamente decolou no Rio. Atualmente, apenas o Airbnb disponibiliza mais de 20 000 anúncios ativos, que oferecem desde uma bicama em um conjugado até apartamentos de luxo na orla. Ao todo são mais de 80 000 leitos — os concorrentes mais próximos, como Alugue Temporada e Booking.com, registram respectivamente 3 400 e 2 200 unidades. Tanta opulência põe o Rio entre as dez cidades mais importantes do mundo para o Airbnb. No Brasil, somos líderes absolutos em oferta de acomodação, concentrando uma em cada três unidades disponíveis no país — São Paulo e Florianópolis ocupam a segunda e a terceira colocações. E a expectativa é que a capital fluminense ganhe ainda maior relevância no ranking global. Uma poderosa alavanca serão os Jogos Olímpicos. Segundo os dados do site, apenas no período da Olimpíada, entre 5 e 21 de agosto, já foram efetuadas 7 500 reservas por hóspedes de 54 países. Durante a competição, a diária de um apartamento para duas pessoas em Ipanema sai por aproximadamente 1 800 reais. Em abril, uma diária no mesmo padrão fica em torno de 700 reais. “O Rio, que já tem grandes eventos, como Carnaval e réveillon, ganhou relevância a partir da Copa do Mundo em 2014 e acreditamos que o fenômeno se repetirá na Olimpíada”, explica o diretor-geral do Airbnb no Brasil, Leonardo Tristão. “Os cariocas conseguem passar uma experiência muito hospitaleira, o que pode ser constatado nas avaliações que os hóspedes estrangeiros fazem no site.”
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O aluguel de imóveis por temporada também ganha relevância quando se considera o atual cenário econômico do país. Nesse aspecto, contam a favor, por exemplo, o real desvalorizado, que torna as estadas por aqui mais baratas para estrangeiros, principalmente os de orçamento mais limitado, como jovens e casais que viajam com filhos. No caso dos turistas brasileiros, com as contas combalidas pela crise econômica, a estadia em um apartamento alugado derruba consideravelmente o custo de uma viagem, principalmente se as despesas forem rateadas entre amigos e familiares. E, para os cariocas que dispõem de espaço ou imóveis desocupados, o aluguel temporário passa a ser um gerador de renda complementar. Em alguns casos, a fórmula funciona tão bem que o que era para ser um ganho esporádico se torna a principal fonte de ganhos. A bancária Izabel Bukowski, de 44 anos, entrou no negócio por acaso, há quatro anos, para reforçar o salário. Hoje, ela se dedica integralmente à locação via internet. Proprietária de um apartamento na Lapa, acabou destacando-se como uma anfitriã de mão-cheia, ao oferecer uma estrutura impecável e uma acolhida calorosa aos hóspedes. Resultado: atualmente, ela presta serviços a outros locadores que a contratam para decorar seus apartamentos e administra pessoalmente dez imóveis alugados em diversos bairros do Rio. “Já tenho uma renda que supera o meu salário no banco e uma fila de pessoas que querem que eu administre seus apartamentos”, explica Izabel.
Com mais de 70 milhões de usuários cadastrados e 2 milhões de propriedades anunciadas em 191 países — incluindo 2 000 castelos, 620 casas em árvores e 390 ilhas particulares — o Airbnb é um exemplo daquilo que passou a se chamar de economia compartilhada. Trata-se de um novo ramo de negócio em que o cliente tem contato direto com o fornecedor por meio de plataformas digitais. No caso do Airbnb, toda negociação é feita diretamente entre hóspede e anfitrião, que se comunicam por meio do site. Com isso, estabelece-se um modelo de atividade que desafia diretamente a indústria hoteleira. E não se trata de um embate trivial ou periférico. Isolado na liderança, o Airbnb detém cadastradas em seu banco de dados quase o dobro de unidades do que tem a maior rede de hotéis do mundo, a Marriott International, que oferece 1,1 milhão de quartos, e quase três vezes mais que a Hilton Worldwide, dona de 750 000. “Não somos contra, mas defendemos pelo menos uma igualdade tributária. Eles não pagam nada de imposto aqui, e isso vai acabar por degradar a operação hoteleira”, critica Alfredo Lopes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro (Abih-RJ). Por ser uma espécie de facilitador virtual, o Airbnb cobra uma taxa de 3% do anfitrião e entre 6% e 12% do hóspede, dependendo da estada. Durante a transação nenhum outro tipo de taxa ou contribuição é efetivamente recolhido — e cabe ao anfitrião recolher e declarar seus ganhos à Receita Federal. Confrontados com a acusação de concorrência desleal, os locadores argumentam que o Airbnb, indiretamente, acaba beneficiando a economia ao trazer turistas à cidade. “O dinheiro que entra gira no comércio local. As pessoas cozinham em casa, gastam no mercado, frequentam lugares do bairro que os anfitriões indicam, saem daquilo que está nos guias turísticos”, diz Claudio Esperança, dono de uma casa de quatro quartos em Santa Teresa, dos quais três são alugados a turistas estrangeiros.
Aventurar-se no mundo dos aluguéis por temporada requer traquejo e jogo de cintura para lidar com imprevistos. Apesar de os proprietários ressaltarem que, na imensa maioria das vezes, as locações transcorrem exatamente como o previsto, há exceções. O economista Leonardo Carneiro, de 26 anos, já encontrou lençóis rasgados em seu apartamento depois de uma estada. Ao receber as chaves de seu imóvel de volta depois de uma locação para turistas do sul do país, Herdy topou com a sala cheia de areia da praia e roupas de cama manchadas com maquiagem. “Dei uma avaliação negativa aos hóspedes, o que alertará o próximo locador de que não se trata de pessoas tão confiáveis assim”, diz ele. Em casos mais extremos, que envolvam danos ao patrimônio do locador, o Airbnb oferece um seguro de até 3 milhões de reais. Especialistas no assunto costumam dar algumas dicas que, se não evitam completamente, pelo menos reduzem os riscos de contratempos. Recomenda-se, por exemplo, atenção às reservas feitas em cima da hora, para estadas muito curtas ou de hóspedes da mesma cidade. Vários casos de roubo e depredação estão ligados a transações com essas características. Outra precaução é optar por inquilinos que utilizem regularmente o serviço e tenham avaliação positiva de outros anfitriões. E, por fim, vale a pena perder alguns minutos pesquisando o perfil dos locatários nas redes sociais — o que, no mínimo, é útil para estabelecer uma relação de empatia com o futuro cliente.
Da mesma forma que procura orientar seus parceiros a se precaver de eventuais riscos, o Airbnb é extremamente cioso da qualidade da experiência oferecida aos locatários. Os anfitriões são avisados de que as informações que constam nos anúncios devem ser absolutamente fiéis à realidade e também seguir rigorosamente as regras do condomínio e de uso dos imóveis que disponibilizam. Caso receba avaliação negativa, o locador pode ser punido com a proibição de anunciar novamente. Dentro dessa estratégia de agradar ao máximo aos hóspedes, cortesias são estimuladas. “Já fomos até mesmo buscar pessoas no aeroporto”, conta a publicitária Giselle Haimovitz, que aluga o apartamento onde mora com o marido, o economista argentino Santiago Perez, em Copacabana, para estrangeiros. “Quando alugamos, nós nos mudamos para a casa da minha mãe”, explica ela. “Vale a pena, pois, na Copa do Mundo, chegamos a faturar 1 000 reais por dia. Com o dinheiro extra do aluguel, já viajamos até para Machu Picchu.” Para quem hospeda as pessoas com dedicação e profissionalismo na própria casa, nada melhor do que gastar o dinheiro em uma bela viagem.