O documentário Novos e antigos encontros na praça, feito pelas alunas da PUC-Rio Giulia Gonçalves e Sofia Gama, traz à superfície a Feira de Antiguidades da Praça XV. O filme conta um pouco do evento a partir de dois personagens locais, o músico de choro Ronaldo da Conceição e o artista plástico Ney Sayão.
As documentaristas, guiadas pelas culturas subterrâneas cariocas, escolheram o ponto turístico por ser frequentado por ambas, bem como pela relevância histórica. Giulia Gonçalves ressalta o renascer cultural do lugar, cada vez mais frequentado pelo público jovem. Brechós, artistas, músicos e visitantes variados conferem vida a uma artéria central da história brasileira. E quais algumas das estórias por trás da Praça XV?
O nome remete à Proclamação da República, golpe militar realizado no dia 15 de novembro de 1889, responsável por finalizar o regime monarquista brasileiro. Antes da Proclamação, nos arredores do local, escravizados vendiam produtos dos donos, tropas militares marchavam, e o Chafariz do Mestre Valentim simbolizava a efervescência social e política do centro do Rio à época.
O escultor Rodolfo Bernardelli construiu uma das estátuas da localidade em 1894, a de General Osório, comandante das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai. O conflito sanguinário dizimou a maioria da população masculina paraguaia. Somando os combatentes de todos os países, morreram por volta de 400 mil soldados.
A “roda dos expostos” que ali existia, em que bebês eram postos por mães sem condições de criá-los, inspirou uma lenda urbana vampiresca. Contava sobre a “Bruxa do Arco do Teles”, também conhecida como Bárbara dos Prazeres, afeita a se alimentar do sangue de crianças recém-nascidas para obter eterna juventude. De fato, Bárbara Vicente de Urpia existiu: tais ditos sobre ela, contudo, estão envoltos em névoas. E em machismo. Ainda assim, alguns dizem ouvir um riso de sangue nas noites escuras da cidade.
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Tamanha é a representatividade da Praça XV e seus arredores (compreende-se a Pequena África, a Gamboa, o Cais do Valongo) que o documentário ali produzido pelas alunas pode ser entendido como um convite a se pensar o espaço público. Na Praça, confundem-se o Rio, o Nordeste, a África e Portugal; o novo e o antigo; o passado e o presente.
Um local repleto de encontros merece, certamente, valorização nos tempos atuais, estes marcados justamente pelo ódio e pela animosidade. Nenhum lugar mais apropriado para se estabelecer a Feira de Antiguidades, na qual reúnem-se fascinantes relatos de personagens que exibem orgulhosamente seus “tesouros”.
Na feira, a arte se estende pela música, por esculturas, por pinturas e outros caminhos. Trata-se de um ambiente de troca, no qual o transeunte adquire conhecimento seja através de um simples olhar panorâmico da Praça, com sua bela e emblemática arquitetura, seja pelas histórias contadas por um feirante.
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Simultaneamente, o espaço adquire um caráter político, de ocupação e manifestação populares, acostumando-se ao longo do curso da história a receber grupos dispostos a elevar suas causas e promover mudanças. Ou, simplesmente, entende-se como um centro de um fluxo vivo e característico do Rio de Janeiro, no qual transitam comerciantes, doutores, turistas, estudantes e outras figuras que corroboram a pulsação da cidade.
Em Novos e Antigos Encontros na Praça, não é exagero afirmar que o espírito da feira é encarnado por Ney Sayão, figura central do documentário. Ney aproveita o espaço que lhe foi cedido pelas alunas para relatar descontraidamente o que o levou àquele lugar e por onde andou antes de ali chegar. Pintor de sepultura, desenhista artístico, lustrador de móveis, servente de obra… foi uma verdadeira aventura até Ney Sayão se reconhecer um mestre de artes plásticas.
Todos esses caminhos, segundo o próprio, funcionaram como “pontes” nesse sentido. Na Feira de Antiguidades da Praça XV, Ney não perde o encanto por aquele espaço independentemente do saldo de suas vendas e o enxerga como lugar certo para o artista exibir o seu trabalho. Afinal, é lá onde o povo se encontra, cerimonialmente, para produzir e consumir cultura.
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A Praça XV, espaço carioca revivido continuamente, é capturado em um de tantos pulsares pelas lentes de Giulia Gonçalves e de Sofia Gama. O passado e o presente, a tradição e a inovação, fundem-se em um encontro de gente em fluxo vivo. Por fim, resta a indicação aos leitores quase espectadores: assistam ao documentário. E, respeitando as medidas sanitárias, conheçam a Feira de Antiguidades da Praça, tão repleta de História, tão aberta a outras inéditas estórias.
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*Clara Behrens e Maria Fernanda Guerra, estudantes de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.