A primeira terça-feira do ano foi de céu nublado e chuva fina em Paris. Por volta das 4 da tarde, o termômetro marcava 9 graus, e uma corrente de ar frio tornava ainda mais insuportável a garoa que caía sobre a cidade. Mesmo assim, a administradora Maria Cristina Ramos, de 53 anos, moradora de Jacarepaguá, resistia firme, plantada na esquina das ruas Royale e Saint Honoré, área de comércio chique. Enquanto equilibrava entre os braços sacolas de compras, câmera fotográfica, mapas e folhetos, admirava a vitrine ao seu lado, enfeitada com docinhos coloridos sobre os quais já ouvira muito falar ? e que sonhava provar em sua primeira viagem ao exterior, realizada à custa de dois anos de economia e de um pacote parcelado em seis vezes sem juros. Vencidos mais de trinta minutos ao relento, finalmente chegou sua vez de ganhar uma mesa na Ladurèe, confeitaria inaugurada em 1862. Ali, com a Place de la Concorde de um lado, a Igreja de la Madeleine do outro e algumas das grifes mais famosas do mundo logo à frente, viveu sua experiência quase proustiana. “Parece um suspiro, só que mais leve. E recheado”, disse, depois de provar o quitute. “Vir até aqui e não comer um macaron é como chegar a Roma e não ver o papa”, emendou, referindo-se à guloseima à base de amêndoas. Devorado o doce e com um roteiro de atrações já nas mãos, ela partiu lépida para outra etapa do programa.
A capital francesa, escolhida por Maria Cristina para sua estreia internacional, é o destino dos sonhos do turista carioca. O Aeroporto Charles de Gaulle, a principal porta de entrada, é o que recebe mais viajantes saídos do Rio de Janeiro em todo o mundo. Nos últimos dois anos, foram 503?000 passageiros, desbancando os que partiram para Buenos Aires (433?000), Miami (301?000), Lisboa (255?000) e Nova York (150?000), as outras metrópoles mais visitadas por quem embarca no Galeão. É só lhes perguntar os motivos para a escolha que a resposta sai pronta. “Nenhuma cidade reúne tantas e tão distintas atrações em um mesmo lugar”, resume Anna Clara Herman, moradora do Jardim Botânico e habituée de Paris há vinte anos. Na margem esquerda do Sena, os cariocas encontram o seu bairro preferido, Saint-Germain-des-Près, o Jardim de Luxemburgo e a esplanada dos Invalides. Na beira oposta ficam o Jardim das Tulherias, a Place de la Concorde e o Arco do Triunfo. Espalhados no meio de tudo isso há cafés, confeitarias, chocolaterias, bistrôs e brasseries onde eles provam de tudo, desde que seja típico francês – ou seja, quem sai daqui passa longe de restaurantes parisienses especializados em receitas de lugares como Vietnã, Índia e Tailândia, tão populares por lá.
Na hora de comprar, para que perder tempo de loja em loja no meio de hordas de chineses se as Galerias Lafayette juntam tudo o que interessa sob a monumental cúpula envidraçada? Pode ser caro, mas há vendedores que falam português. Por ali, os itens mais procurados por nossos conterrâneos são os óculos em formato de abelha de Tom Ford, relógios com pulseira de cerâmica Michael Kors e bolsas Vuitton, das legítimas e com o LV bem grande. Outro ponto imbatível para encontrar cariocas é o departamento de détaxe, onde se obtém o desconto dos impostos nas compras. As atendentes da Sephora, megastore de perfumes no Champs-Élysées, quando ouvem os “s” chiados das clientes, já preparam as caixinhas de J?adore, da Dior. “Se fossem paulistas, seriam a Infusion d?Iris, da Prada, ou Light Blue, do Dolce & Gabbana”, revela uma experimentada vendedora, que já diferecia os dois principais grupos de brasileiros que circulam na loja.
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Assim que pisam em solo francês, os cariocas rapidamente se agrupam em duas categorias bem distintas. Os marinheiros de primeira viagem, que formam o contingente mais numeroso, partem para o pacotão básico, cujo início é o city tour nos ônibus vermelhos de dois andares. Engana-se quem pensa que a Torre Eiffel, com seus 324 metros de altura, é o monumento mais visitado de Paris. Ela perde para a Catedral de Notre-Dame, com seus pináculos, gárgulas, medalhinhas e velas votivas vendidos na sacristia. “É um lugar completamente diferente do Rio, onde estamos acostumados a admirar a beleza natural da cidade. Aqui, parece que você entrou em uma máquina do tempo com seu professor de história”, deslumbra-se a estudante de publicidade Vanessa Rangel. Em segundo lugar na preferência, está outra igreja, a Basílica de Sacré-Coeur, e, em terceiro, o Louvre, no qual os brasileiros se tornaram a segunda nacionalidade entre os visitantes em 2011, perdendo apenas para os americanos. “Trouxe um roteiro das obras que queria ver, mas não consegui chegar nem à metade. Tem fila em tudo que é canto, e aqueles japoneses que andam em bando também não ajudam nada”, relata o designer Marcos Souza. A Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, foi a primeira a ser admirada por ele. “É meio pequenininha, não?”, comentou, referindo-se aos 77 centímetros de altura do quadro.
O outro grupo, muito mais seleto, é o dos iniciados, que se consideram locais. Eles dispensam mapas e câmeras fotográficas, desviando o caminho quando ouvem gente falando português. Flanam sem rumo nem pressa, vão às compras em antiquários e brechós escondidos em vielas e visitam exposições temporárias nos museus (as mostras de Degas no Museu D?Orsay e de Matisse no Centro Pompidou, em março, têm sido aguardadíssimas). Vão à nova chocolateria que é sensação entre os parisienses, ao hair stylist que está fazendo a cabeça dos descolados, aos ateliês de estilistas conhecidos apenas pelas it-girls do Leblon. De tanto ir e voltar ? mais de quarenta vezes pelas próprias contas ?, o restaurateur Alex Herzog começou a listar seus restaurantes preferidos entre os mais de 13?000 existentes na cidade. Costumava dividir as descobertas com os amigos, no boca a boca, até que alguém lhe sugeriu que escrevesse um livro, inteiramente dedicado ao assunto, que foi lançado em 2009. “Escolhi lugares descontraídos, informais, com um quê daquela desorganização organizada e clima muito parecido com o dos bares, botequins e botecos do Rio”, compara. Um de seus indicados fica no burburinho do Quartier Latin. A atração principal da casa não é apenas a comida (por melhor que seja a tarte tatin), mas o atendimento, que foge ao padrão blasé da maioria dos endereços. Responsável pelo salão do Café Latin, o sommelier Nicolas se reveza como garçom, recolhe os pedidos, traz os pães, a garrafa de água (pela qual, como de costume, não é preciso pagar um tostão), os pratos e, ao final, troca o “merci beaucoup” por “obrigado”, graças aos inúmeros cariocas que chegaram até lá seguindo as recomendações de Herzog.
Com a economia em voo de cruzeiro, os turistas que deixam o país para visitar a França são tratados de forma completamente diversa da do passado recente. Hoje, nosso gasto médio diário por lá, incluindo compras, passeios e comida, está na faixa dos 140 euros, perdendo apenas para o dos russos (202 euros), japoneses (163 euros) e chineses (156 euros). Em consequência, os franceses passaram a nos dispensar mais atenção ? à sua maneira bem peculiar, é claro. Os vendedores fluentes no vernáculo das Galerias Lafayette e Sephora são exemplo disso. Nos hotéis, os folhetos com a oferta de passeios também já são facilmente encontrados em português, principalmente os de Saint-Germain, onde os cariocas gostam de ficar. “Por ser o bairro das universidades, entre elas a Sorbonne, sempre recebeu os filhos de famílias ricas do Rio que vinham estudar aqui. É um vínculo antigo e muito forte, que persiste até hoje”, explica o francês Jean Marc Etienne, que desde 1992 trabalha no hotel Le Madison, um quatro-estrelas que funciona como uma espécie de embaixada carioca. Com um português fluente, lapidado em quatro viagens que já fez ao Rio, ele mostra o livro de ouro do hotel, com a assinatura de clientes como Aguinaldo Silva, Gilberto Braga (que agora já possui um apartamento na cidade, redecorado há pouco), Daniel Filho, Walter Salles, Carlos Tufvesson e Lenny Niemeyer.
Encontrar explicações para o que motiva os cariocas a preferir Paris a Nova York ou Londres não é tarefa complicada, dadas a beleza e as atrações da cidade. Mas há igualmente razões históricas. O nascimento do Rio, por exemplo, tem muito de francês, pois aqui o navegador Nicolau Durand de Villegaignon fundou um aldeamento em 1555, antes de sermos portugueses. Mesmo após ser expulsos, doze anos depois, os franceses continuaram voltando a nos visitar, primeiro como corsários (o bretão René Duguay-Trouin é o mais famoso), depois como convidados. Em 1816, arquitetos, artistas e naturalistas desembarcaram no Rio para ajudar a europeizar a acanhada cidade, já sede do reino português no governo de dom João VI. “Os telhados coloniais foram disfarçados por trás de platibandas enfeitadas com estátuas, e o neoclássico firmou-se de vez como o estilo oficial do século XIX”, diz o arquiteto Carlos Fernando Andrade, ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No Império, a França seguiu como a referência de civilização e modernidade, padrão que persistiu na República Velha. O ápice disso foi a reforma urbana do Centro, copiada da que foi feita em Paris pelo barão Haussmann a partir de 1860. Com o passar do tempo, as relações foram se distanciando, mas o fascínio nunca arrefeceu. E tudo isso ajuda a entender o arrepio sentido pelos que conhecem a Cinelândia ao ver de perto a Ópera Garnier pela primeira vez.