As peripécias de uma trupe que vive em uma pensão do Méier, narradas com humor despudorado, sem sutileza e recheado de palavrões. Esse é basicamente o fio condutor de Vai que Cola — O Filme, produção nacional que desde a estreia, em 1º de outubro, tem arrastado multidões aos cinemas. No último fim de semana, durante o feriado de Finados, o longa cravou um feito portentoso: atingiu 3 milhões de pagantes, com arrecadação de 39,3 milhões de reais. Assim, chegou muito perto de outra comédia, até agora isolada como campeã nacional de bilheteria do ano, Loucas pra Casar, estrelada por Ingrid Guimarães, Tatá Werneck e Suzana Pires, que, em dez semanas de exibição, fechou com 3,7 milhões de pessoas e faturou 45 milhões de reais. O feito, por si só, já é motivo de comemoração para o elenco, formado por Cacau Protásio, mais conhecida como Zezé, a empregada da malvada Carminha de Avenida Brasil, o ator Emiliano D’Ávila, outro egresso do elenco secundário da mesma novela, as atrizes Fiorella Mattheis e Catarina Abdalla e os humoristas Marcus Majella, Samantha Schmütz e Fernando Caruso. Mas quem está rindo à toa mesmo é Paulo Gustavo, o histriônico niteroiense de 37 anos que personifica o protagonista da história, o malandro Valdomiro Lacerda. Com o filme, o ator confirma seu talento para arrastar hordas de fãs aonde quer que vá. Seu primeiro trabalho de destaque no teatro, Minha Mãe É uma Peça, ainda é encenado Brasil afora nove anos depois da estreia e já atraiu 4 milhões de espectadores. Outro espetáculo, Hiperativo, de 2010, cravou 2 milhões de pagantes. A versão cinematográfica de Minha Mãe… foi o recordista de bilheteria nacional de 2013, com 4,7 milhões de espectadores. “O Paulo é uma grande estrela, com um talento inato para fazer rir”, afirma Luiz Noronha, produtor e roteirista de Vai que Cola. “Ele é incansável, trabalha como um doente e dá opinião em absolutamente tudo, do roteiro à direção.”
O filme atualmente em cartaz nos cinemas é aquilo que na indústria do entretenimento se chama spin-off, ou derivado, do programa de televisão de mesmo nome — que é exibido pelo canal pago Multishow, está em sua terceira temporada e é gravado em um auditório montado no Riocentro. O formato, como definem seus criadores, é uma mistura eclética de programas que remontam às origens da televisão, como Família Trapo, da década de 60, e clássicos do humor pastelão do porte de Os Trapalhões e Chaves. Outra fonte de inspiração é Sai de Baixo, exibido pela TV Globo entre 1996 e 2002. Os personagens têm zero de nuance e profundidade e se resumem a tipos como um malandro que sempre se dá bem, um homossexual caricato, um bonitão desmiolado, uma loura trambiqueira e uma obesa lasciva. O resultado da combinação é explosivo, recheado de improvisações e com grande participação da plateia, que vibra com as piadas pesadas. “É um formato antigo, não é difícil de fazer, e o grande segredo é envolver o público e fazê-lo participar da brincadeira”, diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-vice-presidente de operações da Rede Globo. E isso a turma sabe fazer. “As pessoas acabam se identificando com as situações que encenamos, em que um personagem responde de imediato à provocação do outro. E é óbvio que tomamos cuidado ao estabelecer limites, para que o humor não vire ofensa”, diz Paulo Gustavo.
O que mais chama atenção no sucesso do ator niteroiense e dos programas que ele protagoniza é o fato de quase toda essa trajetória vencedora ter sido construída à margem da TV Globo. Ali, fez apenas pequenas participações em seriados e humorísticos de pouca expressão. O comediante se consolidou no ramo através do teatro e da TV paga. Um bom exemplo disso é o próprio seriado Vai que Cola. No programa de estreia da terceira temporada, exibido no último dia 19, mais de 1,7 milhão de telespectadores estavam sintonizados, segundo dados do Ibope. Isso o torna uma das atrações mais competitivas entre todas que vão ao ar pelos canais por assinatura, com performance comparável à de transmissões esportivas do SportTV, do noticiário vespertino da GloboNews, das reexibições do Big Brother Brasil e até da transmissão do Oscar pelo canal TNT. Tal desempenho é resultado de um fenômeno que vem mudando o perfil da TV paga no Brasil. Antes restrita a um público elitizado e de alto poder aquisitivo, ela praticamente viu dobrar sua base de audiência nos últimos quatro anos, que saltou de 10 para 20 milhões de assinantes, em um processo associado à expansão da nova classe média, também chamada de classe C. “Quando, há alguns anos, ouvi falar de um ator que fazia um enorme sucesso no teatro com estilo debochado, resolvi assistir à peça dele para ver se podia aproveitá-lo como atração para esse novo público”, recorda Guilherme Zattar, diretor do Multishow. “Foi assim que cheguei até o Paulo Gustavo, que na época encenava Hiperativo em um teatro na Barra. Decidi contratá-lo imediatamente, pois estávamos testando vários talentos no humor. De cara, ele acabou se transformando em uma de nossas principais estrelas.”
Dono de personalidade forte, trejeitos espalhafatosos e uma capacidade impressionante de representar tipos femininos de forma hilariante, Paulo Gustavo despontou para o estrelato ao encarnar uma dona de casa que vive de bobes nos cabelos e avental. Mãe superprotetora, separada do marido e extremamente passional, a personagem batizada de Dona Hermínia tornou-se tão popular que hoje apregoa ofertas de supermercados em propagandas na TV. A figura é declaradamente inspirada na mãe de Paulo Gustavo, a professora aposentada Déa Lúcia Amaral, 68 anos. “Reconheço perfeitamente minhas características na personagem, o que para mim é motivo de orgulho”, diz ela. “Desde menino, ele fazia imitações e perturbava todo mundo da família com suas piadas”, recorda. Se em casa Paulo Gustavo exercitava com afinco sua verve humorística desde garoto, o mesmo não se pode dizer de seu desempenho na escola. Na adolescência, foi expulso do Colégio Salesianos, em Niterói, durante o ensino médio. Além de não ter nenhuma vocação para o estudo, tumultuava a rotina das aulas com brincadeiras e piadas. “Eu o matriculei então numa escola pública, mas a diretora disse que não tinha solução. Aí, arrumei para ele um trabalho de vendedor de semijoias, para que pelo menos ganhasse dinheiro. Mas o Paulo Gustavo só tomou jeito mesmo quando foi estudar teatro”, conta a mãe.
Aluno da Casa das Artes de Laranjeiras, tornou-se amigo de outro talento do humor, Fábio Porchat, do grupo Porta dos Fundos. Juntos, protagonizaram um estrondoso fracasso, a peça Infraturas. “Desistimos quando vimos somente cinco pessoas na plateia”, recorda Paulo Gustavo. “Como nunca fui galã de Malhação, precisei me inventar na profissão. Eu não tinha cabelo, era gordo, não tinha nada de Caio Castro”, lembra. Hoje, pode-se dizer que ele foi muito bem-sucedido nessa empreitada. Além de gerir pessoalmente dois dos três espetáculos que ainda encena nos teatros, começa a atuar como produtor executivo de seus projetos por meio da Super Combinado Produções Artísticas, com onze funcionários. Também fatura alto com publicidade. Estima-se que, em campanhas para televisão, seu cachê ultrapasse os 300 000 reais. Um publipost em suas redes sociais não sai por menos de 20 000 reais, valor semelhante ao cobrado por atrizes como Carolina Dieckmann e Deborah Secco. A reboque do sucesso na TV, no teatro e no cinema, chega a receber mais de trinta propostas por mês, de projetos artísticos ou publicitários. Recusa quase todas. “Ele não sai de casa somente por dinheiro. Precisa estar apaixonado ou acreditar que o trabalho possa lhe acrescentar algo”, explica Marcus Montenegro, seu empresário.
A ascensão profissional alterou substancialmente o estilo de vida do ator e da família. Embora cioso de sua privacidade, deixou Niterói e se instalou no Leblon (a mãe, dona Déa Lúcia, ainda mora na cidade, em um confortável apartamento no bairro nobre de Icaraí). Vaidoso, ele mantém a mesma careca lustrosa que adotou assim que notou os primeiros sinais de calvície, aos 23 anos. Seu guarda-roupa mescla camisetas compradas em pacotes com três unidades em lojas de departamentos, peças de sua marca, a UsePG, e bermudas da grife Reserva. Arremata tudo com pulseiras de cristal Swarovski. Sua paixão são os sapatos, especialmente os do estilista francês Christian Louboutin. “Nunca contei quantos tenho, mas recentemente dei sessenta pares que não usava”, revela. Avesso a seguranças particulares, tem medo de assombração e de viajar de avião e é um hipocondríaco assumido. “Não posso sentir uma pontada que entro no tubo da ressonância”, admite. Orgulha-se de poder sustentar toda a família e sente-se muito à vontade para gastar com frivolidades como comprar ingressos para a fila do gargarejo de shows de cantoras como Beyoncé e Madonna no exterior. “Adoraria ser apresentado a elas, tomar um vinho e fazê-las rir”, conta. Enquanto isso não acontece, segue com planos mais concretos. Atualmente ele trabalha nas novas temporadas do Vai que Cola e do 220 Volts, para a televisão, na segunda versão cinematográfica de Minha Mãe É uma Peça e numa nova produção cheia de segredos inspirada na vida de São Francisco de Assis. No teatro, continua em turnê com suas três peças e prepara uma nova, com título ainda não divulgado, em que contracenará com seis palhaços no palco. Inquieto como seus tipos masculinos e temperamental como as divas que encarna, Paulo Gustavo quer aproveitar cada segundo das benesses do sucesso.
(Colaborou Saulo Pereira Guimarães)