Subir no topo do pódio envergando as cores de seu país é o sonho de todo atleta que disputa uma Olimpíada. A vitória, sem dúvida, é uma conquista pessoal, com a quebra de recordes e a superação de limites. Mas a medalha olímpica representa também o espírito coletivo e exalta o orgulho nacional. Essa não é, entretanto, a realidade dos esportistas refugiados, que vivem e treinam longe da terra natal, de onde foram afastados por guerras e perseguições. Por mais amor que eles tenham ao lugar onde nasceram, sua situação legal não lhes permite defender a própria pátria. Com integrantes de diferentes nacionalidades, uma minidelegação deverá se apresentar nos Jogos de 2016 sob a bandeira olímpica. Dois candidatos ao time atualmente vivem no Rio: os judocas congoleses Popole Misenga, 23 anos, e Yolande Bukasa, 28. Radicados na cidade desde 2013, quando abandonaram o campeonato mundial disputado por aqui e pediram asilo ao governo brasileiro, eles fugiram da dramática realidade da República Democrática do Congo, na África. Através do esporte, buscam garantir o seu sustento, reconstruir a vida e assegurar um futuro menos conturbado. “Essa é a luta da minha vida. Tenho chance de medalha, entro no tatame para vencer. Quero poder sustentar minha família como judoca, a profissão que escolhi”, afirma Misenga.
O triste enredo que permeia a biografia da dupla tem início em 1998, com a eclosão da guerra civil no Congo, governado à época pelo presidente Laurent-Désiré Kabila. Ainda crianças, eles deixaram a província de Bukavu sem a família. Yolande embarcou num helicóptero de refugiados, enquanto Misenga se embrenhou em uma floresta por três dias. O destino deles era o mesmo, a capital, Kinshasa. Com a memória repleta de lembranças de pessoas mortas e mutiladas, os dois viveram num acampamento montado em um grande ginásio, onde puderam aprender judô. Incentivados e treinados para jamais perder — uma derrota causava a prisão numa pequena jaula por uma semana e uma provisão mínima de alimentos —, eles lutaram em campeonatos africanos antes do exílio. Quando desembarcaram aqui, o responsável pela delegação sumiu, deixando-os sem documentos, dinheiro nem comida. A lutadora decidiu fugir de imediato. Misenga chegou a competir, mas logo depois também abandonou o grupo. Falando apenas a língua materna, o lingala, os atletas moraram na rua e passaram fome, até serem levados à Cáritas, organização ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que recebe refugiados. De lá, mudaram-se para Brás de Pina, na Zona Norte, e desde então vivem na favela da Cidade Alta. “Saí do Congo, mas a vida na favela também é uma guerra. Bandidos e policiais atirando, inocentes morrendo. Tenho medo”, afirma Misenga.
O reencontro deles com o tatame foi na ONG Instituto Reação, comandada pelo ex-judoca e apresentador da TV Globo Flávio Canto, que garantiu um bronze olímpico nos Jogos de Atenas, em 2004. A instituição, além de apoiar os atletas com cesta básica, transporte e equipamentos, oferece a supervisão de Geraldo Bernardes, ex-técnico da seleção brasileira, mentor da campeã mundial Rafaela Silva e do próprio Canto. “Eles chegaram com uma agressividade muito grande, era preciso contê-los. Os outros evitavam lutar contra eles”, afirma o técnico. Sem patrocinadores, os expatriados mal conseguem manter-se. Yolande mora de favor, enquanto Misenga vive com o filho de 1 ano e a mulher, brasileira, que está atualmente desempregada. “Preciso malhar, treinar, mas não ganho dinheiro. Passo muita dificuldade. Mas vou continuar treinando, porque é minha profissão”, diz o lutador. Ainda sem data para ser divulgada, a lista dos convocados para a delegação do Comitê Olímpico Internacional deve contar também com um nadador sírio, exilado na Alemanha, e um lutador de taekwondo iraniano, residente na Bélgica. Caso eles cheguem às arenas cariocas, será a quarta vez que atletas apátridas participam de uma Olimpíada, depois dos Jogos de Barcelona (1992), Sydney (2000) e Londres (2012). Independentemente do resultado, o esporte já está mudando a vida dessas pessoas.