As soluções encontradas pelos teatros cariocas para não fecharem as portas
Cortes de patrocínio, renovações contratuais e, pasmem, até um cheirinho de guardado da censura assombram palcos que já fizeram história na cidade
Nunca foi fácil, mas desafios recentes vêm proporcionando doses extras de emoção aos gestores dos teatros do Rio. Nesse dramalhão, até o fantasma da velha censura volta a assombrar. No Teatro Casa Grande, a danada deu as caras em repentina licitação pública anunciada para o espaço, marcada para o último dia 23 de dezembro. Parecia esquisito, e era, tanto que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) suspendeu a licitação apontando, entre outros problemas, a determinação de que a programação deveria ser submetida ao governo do estado. O Café-Teatro Casa Grande foi fundado em 1966 por Sérgio Cabral (pai), Moysés Fuks, Moysés Ajhaenblat e Max Haus (1935-2013), e fez história com música ao vivo e artes cênicas, além de debates que arrastavam multidões e confrontavam a ditadura. A lista de atrações, longa e memorável, vai dos jovens Caetano, Gil e Gal a clássicos da dramaturgia carioca como O Mistério de Irma Vap. O período áureo acabou interrompido por um incêndio em 1997, mas o teatro renasceu ampliado e moderno em 2008, batizado de Oi Casa Grande, depois de obras de engenharia civil e financeira que conciliaram a cessão do terreno do estado com a construção de um shopping ao lado.
Como contrapartida à instalação do que viria a ser o Shopping Leblon, o Casa Grande ganhou nova estrutura de alvenaria, transformada mais uma vez em um teatro após o investimento de 9,6 milhões de reais em recursos privados. A cessão de uso concedida pelo estado, porém, expirou no fim de 2018, foi prorrogada por um ano e se encerrou de vez em dezembro de 2019, junto com o término do patrocínio da Oi — contrato estimado por especialistas em 24 milhões de reais por dez anos. Aí vieram o edital cancelado, a instabilidade jurídica e a ameaça de que o Casa Grande deixe o local que sempre foi seu. “Estamos batalhando pela renovação da concessão. Um edital para o Casa Grande equivale a estatizar o que é privado”, alega Leonardo Haus, filho do fundador Max Haus, diretor artístico e um dos sócios do teatro.
Por ora o jeito foi adiar o problema por seis meses, enquanto se busca uma solução. Ou duas. Isso porque houve recente troca de cadeiras na máquina pública. Danielle Barros, secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa, sucedeu a Ruan Lira, justamente o responsável pelo malfadado edital do Casa Grande. Foi ele também que baixou uma súbita determinação de retomada do Imperator — Centro Cultural João Nogueira. O antigo cinema no Méier, convertido em centro cultural em 2012, pertence ao governo estadual, mas foi cedido à prefeitura, que o reformou e entregou para licitação. À frente do espaço desde então, a empresária Aniela Jordan realizou um trabalho de excelência, e o lugar caiu nas graças do carioca. “Para evitar o fechamento, que seria um desastre, fizemos um contrato emergencial e nova licitação deve ser lançada. Fico feliz, seguindo à frente ou não”, diz a empresária, em compasso de espera.
A batalha do Casa Grande suscitou acalorado ato público em 27 de janeiro. Em frente ao teatro, a reunião de políticos da oposição, do padre Jorjão, do humorista Marcelo Madureira e da atriz Maitê Proença, além do diretor Aderbal Freire-Filho, deu a dimensão do peso histórico da casa. Patrimônio semelhante é defendido pela atriz Ângela Leal, desde 1990 no comando do Teatro Rival. Pelo palco da Cinelândia, fundado em 1934, já passou uma constelação: o time, retratado nas paredes, inclui Grande Otelo, Dercy Gonçalves, um Zeca Pagodinho iniciante, Cássia Eller, João Bosco, Cauby. “Em dezembro, com o fim do patrocínio da Petrobras, chamei a equipe e avisei que íamos fechar”, lembra Ângela. A preocupação era tanta que a atriz teve um infarto no fim do ano, mas o alívio veio em um telefonema: era a ligação com a proposta de apoio de uma refinaria carioca, que cravou seu nome na fachada por dois anos. Virou Teatro Rival Refit. Uma trilha percorrida por mais teatros cariocas, como o Net Rio, o PetroRio das Artes e o Petra Gold. Melhor assim. O show, afinal, não pode parar