O que faz uma escola conquistar um título na Sapucaí? Muitos – certamente os mais antigos – afirmam: é a força de sua comunidade, o chamado “chão” de desfilantes, que exibem, de fato, samba no pé, empolgando frisa, camarote, arquibancada. Alguns – talvez os saudosos de um tempo mais romântico – acreditam que é a força de um belo refrão que faz toda a diferença. Recentemente, outro personagem da folia passou a ser visto como peça fundamental para que a agremiação alcance o primeiro lugar: o carnavalesco. Bem sabe disso a atual campeã do Carnaval carioca, a Unidos da Tijuca, que em todas as vezes que venceu neste século, no Grupo Especial (2010, 2012 e 2014), esteve sob o comando de Paulo Barros, figura inventiva, considerado um revolucionário dos desfiles, criador de alegorias humanas e adepto de enredos com pegada pop. Logo após a última vitória, porém, ele pediu as contas: foi trabalhar na Mocidade Independente. E a azul e amarela tijucana ficou, digamos assim, órfã.
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Algo tinha de ser feito. Uma virada, como aquelas da bateria, deveria ser implementada, para ontem. Reunida a diretoria, à frente o presidente Fernando Horta, decidiu-se por investir pesado num conceito mais afeito ao universo das grandes empresas, pouco usado dentro das escolas de samba, e que se resume a uma palavra só: gestão.
Descoberta a arte da administração, a agremiação do Morro do Borel toca seu barracão (onde são feitas fantasias e alegorias, na Cidade do Samba, na Gamboa) como uma fábrica de verdade. O objetivo é, em fevereiro de 2015, apresentar no Sambódromo um espetáculo profissional, em detrimento de uma festa com jeitão amador.
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Daí que o Departamento de Marketing, na figura do jovem Bruno Tenório, 33 anos, é que vem, desde março, dando as cartas por ali. Surgiu logo a ideia, sempre polêmica, de mais uma vez apresentar na avenida um enredo patrocinado, o que, financeiramente, ajuda muito – mesmo que não seja a garantia de um bom desfile (veja abaixo um levantamento de 2000 para cá). O tema será a Suíça, com seus relógios precisos, chocolates deliciosos, canivetes multiúso e montanhas cheias de neve (o país tem investido pesado no Brasil desde a Copa do Mundo, plano que se estende até a Olimpíada). Outra providência dos caciques tijucanos foi tirar dos ombros de uma só pessoa o peso de ser “o” carnavalesco substituto de Barros. Criou-se uma espécie de comissão, ou, como chamam por lá, um “departamento de Carnaval”. Mauro Quintaes, Hélcio Paim, Marcus Paulo, Annik Salmon e Carlos Carvalho formam a trupe que assinará o desfile de 2015 da campeã.
Hoje, tudo na escola se assemelha à rotina de uma empresa, com diretorias e departamentos como os das grandes corporações, todos trabalhando com metas e prazos rígidos. Afinal, trata-se de um espetáculo caro, de cerca de 10 milhões de reais. E sabe-se que, mesmo juntando a subvenção da prefeitura, os ingressos de ensaios na quadra e as visitas guiadas de turistas no barracão, essa conta não fecha. “Enfrentei resistência até entenderem que não se trata de vender o desfile, muito menos o samba, e sim de viabilizá-los. Não é merchandising”, defende Tenório.
No entanto, estudiosos costumam torcer o nariz para esse toma lá dá cá. Com a palavra, o escritor Alberto Mussa, autor de Samba de Enredo: História e Arte: “Submetido a um patrocinador, o desfile pode perder espontaneidade, ainda mais se é baseado num produto”. Dá como exemplo mais radical o iogurte, tema, em 2012, do Porto da Pedra, que ficou em penúltimo, desceu e não mais voltou à elite. Esse perigo, creem os diretores, a Tijuca não corre. Aliás, a escola vai bem de finanças, e os prazos têm sido cumpridos. Está tudo tão perfeito que nos bastidores, a título de piada, comenta-se que, por enquanto, o único senão fica por conta da rainha de bateria, a atriz Juliana Alves: até fevereiro ela teria de perder uns quilinhos.