Daqui a dois meses o Rio vai sediar, pela segunda vez na história, um megaevento poliesportivo internacional. De 16 a 24 de julho, a cidade recebe os Jogos Mundiais Militares (JMM), espécie de Olimpíada das Forças Armadas, na qual sargentos, tenentes e capitães se enfrentam por um lugar no pódio. No total são 6 000 atletas de 134 países ? contingente maior que o do Pan 2007 ? e vinte modalidades em disputa. Não pense que a competição é monocórdia como uma marcha militar. Ela vai reunir gente de alto rendimento e com boas perspectivas de medalha em Londres no próximo ano. Cerca de 700 atletas presentes em Pequim 2008 participaram também dos Jogos Militares no ano anterior, realizado na Índia. Embora as equipes que deverão ir à Inglaterra não estejam formadas, a expectativa desta vez é a mesma.
Como anfitrião, o Brasil reforçou suas fileiras por meio de um artifício oportunista: o alistamento de atletas com chance de fazer um belo papel em quadras, pistas e canchas. Desde 2009, 72 esportistas civis adquiriram uma patente, fizeram juramento à bandeira e tornaram-se aptos a defender o país na frente de batalha dos JMM. Entre eles há algumas figuras apontadas por especialistas como favoritas a um lugar no pódio em Londres. É o caso das iatistas (e marinheiras) cariocas Martine Grael, Isabel Swan e Juliana Mota. Com 20 anos, a filha do maior medalhista olímpico do país, Torben Grael, é a capitã do barco brasileiro da classe HPE. Sua “comandada” Isabel tem bagagem: faturou um bronze em Pequim. As três sonham alto e personalizam a esperança do ouro em 2012. “De maneira geral, o grau de dificuldade aqui será altíssimo”, aposta o general Jamil Megid, coordenador da competição.
Há países que não precisam usar da artimanha brasileira para incrementar seus quadros. Como é tradição, determinadas nações europeias e asiáticas mantêm a elite esportiva nas Forças Armadas. Nos antigos países comunistas do Leste Europeu, o atleta tinha dois caminhos para ascender economicamente: o Exército ou a fuga para o exterior. Ainda hoje, nomes consagrados têm patente militar ? a campeoníssima russa do salto com vara Yelena Isinbayeva, por exemplo, só há pouco deu baixa do Exército. Nos Jogos Militares, quem é de ponta, como Isinbayeva, quase sempre está nos esportes individuais. Já nos coletivos, as estrelas são jogadores em fim de carreira, caso agora dos medalhistas olímpicos do vôlei Valeskinha e Anderson. Trata-se, porém, de uma vitrine importante. Um bom desempenho pode escancarar as portas para a próxima Olimpíada. Vencedor do Mundial de boxe na categoria peso médio no ano passado, o baiano Pedro Lima, 27 anos, acabou cortado da equipe brasileira que se prepara para Londres. Tornou-se marinheiro em 2010 e agora aposta alto no título militar para obter uma nova chance. “Vários campeões internacionais virão ao Rio”, diz. “Se eu ganhar, tenho certeza da minha volta à seleção.”
Além da exposição proporcionada pelo evento, há outros fatores de sedução para convencer a nata de boxeadores, iatistas e jogadores a entrar na disputa. Cada um deles ganha uma ajuda de custo mensal de 2 500 reais, uma mixaria se comparada aos salários do futebol, mas quantia significativa para os primos pobres do esporte no país. Eles não precisam frequentar quartel nem bater continência a seus superiores hierárquicos. Há apenas duas exigências a cumprir: fazer um curso básico sobre as regras militares e manter sempre a disciplina. “Seja no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica, a rotina facilita a vida dos atletas e os deixa muito focados”, afirma o treinador (civil) Kiko Pereira, responsável pela preparação da judoca gaúcha Mayra Aguiar, 19 anos, campeã júnior e vice-campeã mundial em sua categoria. Na modalidade destacam-se também sua colega de Marinha Sarah Menezes, prata no último Mundial, e os sargentos Leandro Guilheiro e Tiago Camilo. “Além de toda a parte de disciplina, a gente ainda convive com os melhores do judô brasileiro e aprende muito”, afirma Sarah, 21 anos.
Os Jogos Militares acontecem desde o fim da I Guerra Mundial, quando as forças aliadas, movidas pelo espírito de congraçamento do barão de Coubertin, criador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, organizaram um evento esportivo para 1 500 soldados de diversas nacionalidades. Porém, só a partir de 1995, sob a tutela do Conselho Internacional do Esporte Militar (Cism, na sigla em francês), ganharam regularidade e passaram a ser realizados de quatro em quatro anos, sempre na temporada anterior à principal competição do planeta. De lá para cá, diversas celebridades das piscinas, das pistas e dos campos marcaram presença. Na primeira edição, em Roma, as estrelas foram o nadador russo Denis Pankratov, que faturaria dois ouros na Olimpíada de Atlanta no ano seguinte, e o jogador italiano de futebol Del Piero, o melhor do país à época. Agora no Rio, a marcha rumo ao pódio está para começar.