Sábado, 23 de abril, feriado de São Jorge, 8 da manhã. A sala está lotada com sessenta alunos, empolgados como se tivessem acabado de passar no vestibular e iniciassem ali um curso universitário. “Bom dia! Está todo mundo acordado?”, brincou o professor. “Olha a quantidade de gente que veio hoje! Parabéns! Isso mostra o comprometimento de vocês”, completou ele, puxando uma salva de palmas da audiência, proveniente de diversos bairros do Rio e também de Niterói, São Gonçalo, São Paulo, Recife e Vitória. De fato, a experiência naquele fim de semana não era muito diferente de um primeiro dia em uma faculdade. Tratava‑se da estreia da turma no recém‑inaugurado Centro de Treinamento de Voluntários para a Olimpíada, no câmpus da Universidade Estácio de Sá, no Centro. Ao longo de quatro horas, o grupo, com participantes entre 18 e 70 anos, aprendeu as regras de como cuidar do bem‑estar do público, dar-lhe suporte e guiá-lo com simpatia e eficiência durante os dias de competição. “As pessoas se sentem honradas sendo treinadas por uma instituição de ensino. Na Olimpíada de Londres, quem deu o treinamento, por exemplo, foi uma rede de lanchonetes”, compara José Dario Menezes, coordenador da Estácio para o projeto Rio 2016.
Até julho deste ano, um time de aproximadamente 120 professores da universidade, que também foi responsável pela capacitação dos voluntários para os Jogos Pan-Americanos de 2007 e para a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, está encarregado de treinar os 50 000 voluntários, além de 90 000 funcionários e colaboradores do Comitê Rio 2016. Serão ministradas 89 disciplinas em 450 000 horas de aulas presenciais e em 1,3 milhão de horas de treinamento on-line, que englobarão da história dos Jogos a noções de excelência em serviços e liderança (veja o quadro abaixo). Selecionados por meio de recrutamento interno, os docentes têm mais de três anos de casa, nota acima de 8,5 na avaliação acadêmica e paixão pelo esporte. “Meu avô, que já nadou com a Maria Lenk, foi tricampeão de polo aquático pelo Vasco. Cheguei a competir na natação, mas hoje meu esporte é o beach tênis”, conta Keylah Tavares, de 51 anos, professora de turismo da Estácio há quase duas décadas. Com experiência em organização e execução de eventos, a tutora, que já deu consultoria para a ONU durante a Rio+20 e foi voluntária no Pan, quer ajudar a formar mão de obra qualificada. “Uma vez, vi um funcionário no Aeroporto do Galeão falando em um tom acima do normal com um cadeirante, que retrucou: ‘Eu sou paraplégico, não surdo’. É preciso estar atento, porque cada detalhe conta para um bom atendimento”, diz a professora. A simpatia em excesso também pode ferir as regras de etiqueta: recentemente, num dos eventos-teste da Olimpíada, uma voluntária foi vista por Keylah improvisando um funk no megafone destinado exclusivamente à orientação do público, uma postura “deselegante e altamente repreensível”.
Em um contingente formado majoritariamente por mulheres de 18 a 45 anos, apenas 25% dos voluntários da Rio 2016 têm ensino superior completo, e muitos estão em busca da primeira experiência profissional. “Pode até parecer um grande mico usar luvas gigantes para ajudar a orientar o público nas filas, mas trabalhar na maior competição esportiva do mundo é um cartão de visita”, garante o coordenador de marketing Marcelo Carvalho, de 44 anos, que já foi jogador de vôlei e ganhou sua primeira medalha, aos 9, do ídolo Bernardinho. Carvalho acredita no potencial de transformação do curso. “A educação será um dos grandes legados dos Jogos no Brasil. Não estamos fazendo feio perto dos japoneses, que vão sediar o torneio em 2020”, afirma. Isso, no entanto, só o tempo dirá.