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Youtuber é a nova profissão que toda criança quer ter

Com uma geração cada vez mais conectada às redes sociais, meninos e meninas sonham com o sucesso na internet

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Renata Magalhães
Atualizado em 29 jun 2018, 08h00 - Publicado em 29 jun 2018, 08h00
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  • Dia desses, as gêmeas Melissa e Nicole Jakubovic, de 10 anos, resolveram colorir a piscina da casa dos avós, na Barra, com 100 tubos de corante rosa. A farra foi registrada em vídeo pela mãedas pequenas, a publicitária Camila Jakubovic. Quando vovó viu a bagunça, ficou uma fera. “Não acredito que você deixou as meninas fazerem isso, Camila! Vai manchar tudo!”, desesperou-se. Resultado: o vídeo Trollamos a Nossa Avó teve impressionantes 6,3 milhões de visualizações no YouTube. É pouco, no entanto, comparado ao sucesso estrondoso de Dono do Meu Coração, clipe gravado pelas garotas com música de autoria da própria mãe das meninas. O filme, rodado no condomínio onde a família mora, também na Barra, já foi reproduzido mais de 57 milhões de vezes na plataforma, com versinhos como “Ele é o dono do meu coração / Eu faço tudo para chamar sua atenção” e “Passei um perfume tão doce quanto o mel / E para fazer estilo coloquei até chapéu”. Foi assim, brincando, que Melissa e Nicole se tornaram estrelas de um dos maiores canais mirins do YouTube no Brasil. São mais de 7,4 milhões os seguidores do Planeta das Gêmeas, criado há três anos. Entre outros hits estão os vídeos que mostram as diferenças entre a menina comportada e a funkeira, as formas de descobrir se sua amiga é invejosa e muitos jogos e desafios que os seguidores podem repetir em casa. Questionadas sobre o que querem ser quando crescer, as irmãs respondem em uníssono: “Youtuber”.

    A justificativa para a escolha é compreensível. “Em que outra profissão a gente poderia pregar peça nos nossos avós, na nossa mãe e nos nossos amigos? É muito divertido”, explica Nicole. Para a nova geração, carreiras tradicionais, como direito, engenharia ou medicina, parecem distantes. Ofícios como os de bombeiro, professor e policial já não têm espaço garantido no imaginário infantil. Acostume-­se com a ideia: o ídolo do seu filho é, muito provavelmente, um influenciador digital. No Reino Unido, uma pesquisa realizada no ano passado pela empresa First Choice, com 1 000 crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, revelou que 75% dos entrevistados sonhavam em seguir a carreira de youtuber. A opção “médico” aparece em sexto lugar no ranking, atrás de ocupações como blogueiro, cantor, ator e diretor de cinema — a propósito: a profissão de advogado está na última posição na lista. No Brasil, ao que tudo indica, não é diferente. As gêmeas Melissa e Nicole são representantes expressivas desse novo comportamento. Camila, a mãe delas, fechou a ótica da família para se dedicar ao canal das filhas no YouTube. “Roteirizo e gravo os vídeos com o meu celular. São pelo menos dois por semana. O canal virou uma empresa, é com ele que pagamos as contas de casa”, revela. Um cálculo simplista, só com base no número de visualizações, mostra que o faturamento das irmãs varia em torno de 80 000 reais por mês. Isso sem contar os negócios paralelos que surgem na esteira do sucesso na internet. O Planeta das Gêmeas já deu origem a dois livros, uma peça de teatro, uma loja de roupas infantis, instalada no Shopping Barra World, e, pode acreditar, muitos pedidos de fotos por onde passam.

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    (VEJA RIO/Veja Rio)

    Em uma geração cada vez mais conectada, em que 80% da população brasileira entre 9 e 17 anos já utiliza a internet, os youtubers estão até mesmo superando as estrelas da televisão. Irmão de Felipe Neto, Luccas Neto ganhou a alcunha de “o novo Rei dos Baixinhos”. O título, no feminino, foi outrora concedido à apresentadora Xuxa, que arrastava uma legião de fãs mirins em sua era de ouro nas telas. Luccas tem mais de 16 milhões de inscritos em seu canal. Lá, publica vídeos voltados ao público infantojuvenil — incluindo a controversa gravação em que toma banho dentro de uma banheira cheia de Nutella, já vista 15 milhões de vezes. “O Brasil é o segundo maior consumidor de vídeos do YouTube no mundo, e as crianças são uma das principais freguesas. Dos 100 canais mais vistos no país, 36 têm conteúdo direcionado a pequenos de até 12 anos ou consumido por eles”, revela a pesquisadora Luciana Correa, que coordenou um estudo sobre o tema no Media Lab da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “As crianças assistem a esses youtubers e querem ser iguais a eles. São os ídolos dos novos tempos”, conclui. Bruna Negendank, aluna do 3º ano do ensino fundamental no Colégio Santo Agostinho, se encaixa bem nesse perfil. Aos 8 anos, dona de um celular e fã de canais como Planeta das Gêmeas, ela decidiu criar a própria vitrine on-line. “Antes de ser youtuber, queria ser atriz, cantora e modelo. Aí comecei a ver os vídeos e gostei. Ter um canal vai me ajudar a ser famosa. Acho muito legal a ideia de me pararem na rua para tirar uma foto”, conta a pequena, que tem seus passeios pela cidade gravados e postados pela mãe, Paolla, (por enquanto) uma administradora de empresas.

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    A aluna do Santo Agostinho Bruna Negendank: inspiração em canais populares (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Quando a produção de vídeos no YouTube prova que pode ir além de uma brincadeira, mostrando-se rentável, é natural que essa rotina comece a se profissionalizar. Não por acaso, pipocam pela cidade vários cursos sobre práticas de comunicação audiovisual para crianças. O Wowl Education, em Ipanema, decidiu criar um workshop de longa duração depois do frisson causado pelas aulas oferecidas durante a última colônia de férias. Quem engrossou essa turma foi o pequeno Breno Loureiro, de 10 anos, interessado em aprofundar as noções básicas aprendidas em janeiro e já pensando no futuro. “Quero ser youtuber porque acho que pode ser uma das profissões mais divertidas de todas. E deve dar muito dinheiro. Você ganha placas de acordo com quantos inscritos você tem”, sonha alto o menino. Na grade curricular, ministrada pelo youtuber Thiago Ventura, entram todas as etapas de produção, desde a definição do tema dos vídeos até a edição e a divulgação do canal. O módulo com doze aulas, uma vez por semana, custa 400 reais. “O fenômeno da internet conectou o mundo. Desenvolver a habilidade da criança e do adolescente nessa área é prepará-los para o século XXI”, acredita Bia Wilcox, idealizadora e coordenadora pedagógica da escolinha. No curso de programação HappyCode não foi diferente. A grande demanda fez com que o espaço oferecesse aulas não só nas férias, mas durante todo o semestre escolar. Entram na grade de disciplinas regulares ao lado de criação de games e técnicas de animação.

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    Pedro Maia, de 11 anos: os pais ajudam na edição dos vídeos (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
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    quadro youtuber
    (VEJA RIO/Veja Rio)

    Aluno de uma das turmas fixas da unidade da Barra (um dos cinco endereços no Grande Rio), Pedro Maia, de 11 anos, decidiu se matricular no treinamento para youtuber — mesmo já tendo um canal com quase 300 000 seguidores. A ideia é conquistar mais autonomia na produção de seus vídeos, hoje amparada pelos pais. “Ainda não dá para deixar tudo com ele, porque é um processo muito trabalhoso. Além disso, tem a questão da segurança, que demanda um monitoramento cuidadoso”, conta a mãe, Ana Luisa Maia, levantando um ponto importante. Vale lembrar que os termos de uso do YouTube exigem a idade mínima de 13 anos para abertura de um canal — menores devem ser representados pelos pais. Isso não freia a vontade dos pequenos. Tanto é que na HappyCode foi preciso baixar a classificação etária das aulas para 5 anos. “Temos alunos que nem sequer foram alfabetizados. Nesses casos, um responsável acompanha a aula junto com eles”, conta Kátia Garcez, proprietária da franquia na Zona Oeste, que hoje ensina os meandros da plataforma on-line para 85 estudantes que pagam, cada um, mensalidade de 290 reais. Munidos de laptops, câmeras e celulares (ferramenta preferida pela molecada), eles aprendem dicas importantes de produção, mas também debatem sobre divulgação e, com os maiores, chegam a discutir estratégias de monetização.

    Diante do fenômeno, a matéria está ganhando espaço nas salas de aula convencionais. Desde o início de 2018, alunos da Escola Eleva (a partir do 6º ano do fundamental) podem fazer parte do YouTube Team e aprender técnicas de apresentação utilizando equipamentos de ponta todos os dias, como atividade extracurricular. Mesmo que para muitos pequenos virar youtuber seja apenas um sonho, treinar a desenvoltura também pode ter valor positivo em vários âmbitos profissionais. Pode-se arriscar a dizer que esses cursinhos digitais são as aulas de teatro dos tempos modernos. “Desenvolvem colaboração, criatividade, diálogo e resiliência. Trabalhar essas habilidades desde cedo é um trunfo”, opina Leonardo Penna, líder de tecnologia educacional da Eleva. Por outro lado, especialistas ressaltam que a pouca interação social e a falta do olho no olho podem ser vistas como pontos negativos. “Há uma pressão muito grande sobre as crianças na busca de curtidas e seguidores. Isso pode gerar sequelas, como ansiedade ou depressão, males mais comuns hoje do que resfriado. A infância deveria ser algo simples”, critica o psiquiatra Fabio Barbirato. Para o bem ou para o mal, o YouTube revolucionou hábitos de consumo de informação no mundo — e isso não passou despercebido da molecada, que parece já nascer sabendo posar e manipular uma câmera.

    dicas Whindersson Nunes - youtube - vídeos - canal
    (Beto Moraes/Divulgação)
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