Uma trocou as águas do Leblon pelo chão da casa em Caxambu. A outra tenta preencher horas dedicadas ao esporte por culinária e filmes, para controlar a ansiedade. Essas são algumas das mudanças cotidianas adotadas pela atleta de nado artístico Gabriela Regly e pela ginasta Flávia Saraiva, que se preparavam para a Olimpíada quando a pandemia do novo coronavírus atrasou seus sonhos. De uma hora para outra, elas se viram obrigadas a deixar os treinos presenciais por encontros diários via videoconferência e abandonar os dias ensolarados de praia do Rio para investir em hobbies indoor.
+Produtores de orgânicos registram lucros com migração para vendas on-line
Como boa carioca, Gabriela ama a praia. Frequentadora do Leblon, ela não vê a hora de dar um mergulho no mar. A nadadora, acostumada a treinar na piscina e, às vezes, no mar, precisou se distanciar do Rio e está agora em Caxambu, Minas Gerais, na casa da avó. Até então usuária do Parque Maria Lenk, com as medidas restritivas a atleta planejou continuar os treinos na piscina que tem na casa de Minas, mas o clima frio da cidade impossibilitou a proposta. Os treinos continuam sendo diários, mas a intensidade não é mais a mesma. “Treino cinco vezes por semana, com dias intercalados entre o preparador físico e a treinadora da seleção. A diferença é que antes treinava oito horas por dia e atualmente treino duas.”
Gabriela faz parte da equipe de nado artístico do Flamengo e da seleção brasileira desde 2012. Ela conta como a experiência da quarentena interfere na sincronia da equipe. “A gente está tentando criar coreografias e está sendo muito, muito difícil. Às vezes, a música corta, não dá pra ouvir. Mas estamos tentando, porque algumas competições ainda não mudaram de data, como o Campeonato Brasileiro”. Os problemas causados pela internet tiveram que ser contornados, e as alternativas para os treinos foram incrementadas, não só para manter as atividades específicas, como para colocar as atletas em movimento. Toda sexta acontece o encontro pan-americano, que tem a participação de países como Peru, Estados Unidos, México, Chile e Canadá. Cada semana, o treino é dado por uma seleção diferente. “Na vez do Brasil, teve aula de samba. Outros países fizeram treino de balé. Nesse aspecto é bem legal, porque proporciona uma integração que seria impossível em um treino presencial”, conta.
+Os cuidados para as lives de exercícios não virarem uma ameaça à saúde
A rotina é uma das coisas de que ela sente falta. Gabi, como é chamada pelas amigas, só consegue ver as companheiras de equipe por uma tela, situação bem diferente das 15 horas diárias que passava com suas amigas do Flamengo e da seleção brasileira. Para tentar se distrair e não sentir tanto a falta delas, ela buscou alternativas para preencher o tempo: apostou em cursos on-line, filmes e séries. Além disso, aproveitou a companhia da avó para se arriscar na cozinha.
Ginasta medalhista de bronze individual e por equipes no Pan de 2015 pela seleção brasileira, Flávia Saraiva também teve que se adaptar. Antes do isolamento, a atleta praticava esportes o dia todo. Agora, precisou buscar hobbies que a mantivessem ocupada o suficiente a ponto de se sentir cansada de noite e conseguir dormir. A culinária também foi uma opção.
Em casa com sua colega de Flamengo e seleção brasileira Rebeca Andrade, além de seu pai, sua mãe e seu irmão, a ginasta tem lido mais livros e estudado inglês, atividades que não tinha tempo para realizar com a agitada rotina de treinos. Outra ocupação que Flavinha procurou foram os filmes. Para ela é um desafio assistir a filmes em casa, em vez das telas do cinema. O motivo é curioso: não é a falta das poltronas confortáveis ou os efeitos sonoros, mas a ansiedade. Flávia sempre pula o filme para o final para saber o que acontece.
As atividades ajudam a suprir a frustração de atletas de alto rendimento, que pretendiam fazer história este ano em Tóquio. De acordo com a psicóloga Luciana Genial, é compreensível que o atleta passe por momentos de desgaste com a interrupção dos treinos e o adiamento dos Jogos Olímpicos. “A maioria dos atletas profissionais estava terminando o seu ciclo Olímpico, que engloba quatro anos. A maior parte deles estava quase no ápice do seu desempenho físico e precisou interromper antes de chegar lá. E mais: prorrogar por mais um ano um ciclo que já estava no fim. Impossível não pensar em um desgaste emocional importante na vida desses atletas, com a pandemia”, afirma.
+O aquecimento do mercado de produtos eróticos durante a pandemia
Além do emocional, a quarentena tem sido um desafio físico, para manter o padrão no esporte. A redução de carga horária nos treinos preocupou a atleta de ginástica artística que treinava por volta de oito horas diárias. Por causa dos treinos em casa, agora treina cerca de três. Antes de cada treino que se inicia por volta das 10h da manhã, alongamentos e aquecimentos são parte da rotina de Flávia – dentro de casa e sem a infraestrutura perfeita. Como a ginástica necessita de equipamento e espaço adaptados, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) forneceu alguns aparelhos que melhoram o desempenho físico, como uma bicicleta específica.
Alternando treinos pelo Flamengo e pela seleção brasileira, Flávia conta que a cobrança por um bom desempenho não diminuiu, e o nível de competitividade se mantém alto, mesmo sem disputas próximas. “Treinar em equipe é um estímulo e tira minha preguiça. Eu sou muito competitiva, até dentro de casa, então os treinadores desenvolvem competições nos treinos entre as integrantes da equipe. É uma forma legal de a gente manter esse espírito competitivo”.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui
Para Flávia, o adiamento da Olimpíada foi necessário. “Além de toda a situação vivida pelo mundo, eu tinha receio da minha performance, já que não treinava direito durante todo o período de quarentena”. Ela não se viu desestimulada, e explica que um dos motivos para isso é a companhia de Rebeca em casa. Apaixonada pelo Rio, diz que a primeira coisa que vai fazer quando sair da quarentena é ir à praia. O que antes da pandemia era rotina, agora é uma realidade vista apenas em sua memória. Como a ginástica é um exercício que necessita de colchões e aparelhagem específica, ela não usava a praia nem outros espaços da cidade para treinar. Flávia prefere aproveitar os espaços do Rio para curtir. “Minhas amigas dizem que eu vejo lugares ao redor do mundo todo… Eu acho alguns muito bonitos, mas não há nada como o Rio de Janeiro. É o lugar mais lindo do mundo”.
Juliana Poty e Pedro Bueno*, estudantes de comunicação, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio