A bênção, Beth Carvalho
Madrinha do samba, mãe de Luana, tia de Lu, avó de Mia, ganha homenagens nos 75 anos de seu nascimento, dois anos de sua partida e véspera do Dia das Mães
Beth Carvalho, que completaria 75 anos nesta quarta (5), às vésperas do Dia das Mães, é conhecida como “madrinha” dentro e fora das rodas de samba do Brasil, por ter revelado talentos como o grupo Fundo de Quintal, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Diogo Nogueira. Mas era, antes de tudo, mãe. Filha única, a cantora e compositora Luana Carvalho, de 40 anos, desde pequena foi inspirada por Beth, embora sua estreia oficial no mundo da música tenha sido em 2017, com o álbum Sul/Branco, em parceria com Moreno Veloso. “Componho desde muito nova e ela sempre me incentivou muito. Minha escrita tem o ritmo que ela me ensinou. A brincadeira dela era bater palma pra eu repetir”. Ano passado, Luana lançou o disco Baile de Máscara, em que canta alguns sambas já gravados por Beth.
O clipe da música Minha festa reúne as três gerações da família. Um ano antes de se despedir, Beth se tornou avó de Mia, primeira e única neta. “A Mia tem uma ligação muito forte até hoje, fala da ‘Vovó Beth’, reconhece na hora a minha mãe cantando”, conta Luana, que neste aniversário da mãe pretende celebrá-la na intimidade, na companhia da filha. Na sexta (7), fará uma rodada de tranca, jogo de cartas que é hobby da família. E no domingo (9), Dia das Mães, vai cozinhar rabada, prato preferido da sambista.
A paixão pelo samba também influenciou a sobrinha Lu Carvalho, que morou com Beth até os 10 anos. Desde pequena, assistia à tia dando aulas de piano e violão, além de acompanhá-la no Cacique de Ramos, bloco que consagrou Beth como madrinha do samba. “Ela é minha total influência”, diz Lu. “Não consigo nem mencionar a minha tia no passado. Ela é tão presente, e deixou um legado tão importante, tão eterno. Fez muito por este país, culturalmente e politicamente. Se hoje nós, mulheres sambistas, temos liberdade para certas coisas, é muito graças a ela”. Lu fez lives em homenagem à intérprete, lembrando amores como a verde-e-rosa e afilhados artísticos da artista no Instagram (@lucarvalhosamba) por 12 semanas de 2020.
Nesta quarta (5), vai ser a vez da cantora e compositora pernambucana Carla Rio fazer uma live em homenagem a Beth, com participação de Dudu Nobre, outro dos afilhados da madrinha do samba. Transmitida do instagram da artista (@carlariooficial), às 19h, o show virtual contará também com Alceu Maia, cavaquinista e produtor musical. “Beth Carvalho, pra mim, é um exemplo de força, de persistência, de insistência, de amor ao samba. Vejo que ela abriu caminho para todas nós, sambistas. Se não fosse ela, talvez não estivéssemos aqui, ocupando o nosso espaço”, afirma Carla.
Nascida no bairro da Gamboa, zona portuária do Rio, Elisabeth Santos Leal de Carvalho sempre bebeu da fonte artística. Formada na Escola Nacional de Música como solista, Beth Carvalho começou sua carreira na bossa nova. Em 1968, no 3º Festival Internacional da Canção (FIC), se destacou interpretando Andança, de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, que nunca mais saiu de seu repertório. Mas foi no samba que Beth, mangueirense apaixonada, se encontrou ao gravar o samba-enredo da Unidos de São Carlos, três anos mais tarde, sendo eleita, no mesmo ano, rainha do carnaval.
Das muitas heranças deixadas pela mãe, Luana destaca a lealdade como uma das principais: “Minha mãe era muito leal, e eu fiz uma imensa ‘família de rua’, como chamo os amigos que viram família. Acho que isso tem a ver com a forma como ela se relacionava com os amigos dela, e eu espelhei isso. São muitas e belíssimas heranças”, conta.
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Fazem parte dessa família ampliada Afonso Carvalho, seu empresário durante 15 anos, e Anita Carvalho, produtora. O sobrenome comum é (ou não é) mera coincidência. “A Beth foi uma pessoa fundamental na minha vida. “A Beth era uma artista completa. Não só teve um enorme talento para a música e para descobrir artistas e compositores, sempre tendo um repertório impecável, mas também foi uma artista engajada na vida do seu país. Tinha posições em todas as situações às quais era questionada”, descreve Afonso, que a conheceu em 2004, quando completava 40 anos de carreira. Anita destaca a paixão da artista pelos palcos e relembra o show em que a sambista, com fortes dores na coluna, pediu licença para se deitar. “O público foi extremamente acolhedor. O receio que todos nós tínhamos era que isso abaixasse o astral do show, mas foi o contrário. Beth fez um show lindo e foi ovacionada”, lembra.
Outro amigo, o jornalista Beto Almeida, reitera o vínculo da artista com o público: “O povo brasileiro precisa de estrelas que iluminem seus caminhos. A Beth Carvalho fazia isso no palco, ela vocalizava a garra, os direitos históricos do povo brasileiro, projetava a sua cultura e seu caminho para uma nação livre, uma nação diversa, uma nação mais justa. E essa era a presença da Beth Carvalho na música e na luta”, define Beto.
Na sexta (30), dois anos após a partida da cantora, o publicitário e admirador da artista João Paulo Farelli lançou o Núcleo Beth Carvalho, grupo para debater pautas culturais diretamente ligadas aos interesses da madrinha, como o carnaval e seus profissionais. Oficinas de canto e de instrumentos de percussão nas comunidades próximas às escolas de samba também estão previstas, conta Farelli, “para manter vivo esse legado do samba em nossa cidade”.
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A cantora, compositora e instrumentista morreu no dia 30 de abril de 2019, aos 72 anos. Internada por problemas na coluna, teve uma infecção generalizada. Não pôde comemorar no palco o aniversário de 73, como planejara. Para quem a conhece, o dia de hoje, se pudesse ser comemorado pela intérprete, seria do jeito que a artista mais gostava: com muita gente, samba e alegria. Vou Festejar, canção imortalizada na voz de Beth, combinava bem com a essência da cantora.
*Clara Alexandre, estudante de comunicação, sob supervisão de professores da PUC-Rio e revisão de Veja Rio.