A reabertura das academias, autorizadas pela prefeitura a funcionar com um terço da capacidade, não deve excluir a rotina de malhação doméstica impulsionada pela quarentena. Uma boa parte dos cariocas se mostra adaptada à atividade física em casa, com a ajuda dos aplicativos e das lives de exercícios empreendidos por professores e empresas da área. A oferta crescente desses serviços vem acompanhada de um alerta de profissionais de educação física: eles exigem cuidados tanto na escolha da orientação remota quanto na execução dos exercícios, ou podem causar lesões e até danos mais graves à saúde.
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Antes de mais nada, é importante considerar que um programa de exercícios distribuído em larga escala pelo Instagram, pelo Zoom, pelo Whatsapp, ou por um aplicativo, produz efeitos distintos em cada pessoa. O treinamento – presencial ou remoto – deve obedecer ao chamado princípio da individualidade biológica. Fatores como o condicionamento cardiovascular e a gordura corporal influenciam a compatibilidade à atividade física proposta. Ou seja, sua eficiência e sua segurança estão relacionadas às características de cada indivíduo.
O professor de educação física Alfredo Lima reforça que a atividade física regular é uma das principais aliadas da saúde, e percebe que os meios on-line ajudam a mantê-la viva na quarentena. Ele ressalta, contudo, a necessidade de uma orientação especializada, ajustada as características individuais: “A orientação deve partir sempre de um profissional de educação física ao qual o praticante tem acesso. O que se tira da mídia social nem sempre é proveitoso e seguro”, observa.
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Atividades mais intensas são desaconselháveis para iniciantes e portadores de doenças crônicas, como problemas cardiovasculares. A inadequação entre a intensidade e/ou a quantidade do exercício e o condicionamento físico provoca desde lesões musculares até infarto, por exemplo. A empolgação com a onda do fitness on-line pode induzir a esse descuido.”Ao fazer sozinha o exercício físico, a pessoa corre mais risco de se machucar. Muitas vezes, adota uma intensidade bem acima do que consegue, gerando um risco à saúde. Outras vezes, fazem o exercício numa intensidade abaixo da adequada. Por isso, é fundamental que a atividade física tenha um acompanhamento cuidadoso, profissional”, reitera Alfredo.
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A importância da orientação individualizada exige um cuidado especial nas lives de ginástica. Cada vez mais comuns, passaram a integrar as sextas-feiras dos alunos do Centro de Condicionamento Físico Bios. Eles recebem também um programa de atividade física semanal e o link do treino no nosso canal do Youtube. O professor Rafael Dias, coordenador do Bios, conta que adota uma série de medidas de segurança nas aulas on-line abertas ao público: “Numa live aberta para um público desconhecido, obviamente a falta de individualização do programa (de exercícios) pode gerar doses de atividade não compatíveis. Elas podem ser menores do que o ideal, causando pouca ou nenhuma adaptação, ou maiores, aumentando risco de dores ou lesões. Como não estamos monitorando de perto, quanto mais educarmos os praticantes, maior é a segurança. Isso significa explicar detalhadamente as execuções: o que o praticante deve e o que não deve fazer e sentir, qual o grau de esforço percebido que ele deve alcançar. Enfim, quanto mais ferramentas e informações os praticantes tiverem para se monitorar, menor é o risco”, observa.
Rafael reconhece que a atividade presencial se mostra mais segura do que no formato de live. Ele ressalva, no entanto, que o sedentarismo representa um risco ainda maior: “De uma forma geral, é melhor a pessoa estar ativa fisicamente, mesmo sem uma supervisão individualizada, do que sedentária. A falta de atividade física aumenta o risco de diversos problemas de saúde”. O sedentarismo aumenta a chance de doenças como obesidade, diabetes, hipertensão, infarto, AVC e câncer. Logo, cultivar uma rotina de exercícios na quarentena, e depois dela, é essencial à preservação da saúde e do bem-estar. As lives ajudam a espantar o sedentarismo. Mas, para mantê-las seguras, é necessário seguir algumas regras básicas da atividade física remota, como atentamente as explicações do professor antes de cada exercício, e ouvir o próprio corpo ao executá-lo.
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“Passo a maior quantidade de informação aos praticantes. Informações sobre o nível de percepção de esforço eles devem sentir, sobre como a respiração deve estar. Detalho as execuções dos exercícios e indico o que devem e o que não devem sentir”, conta Rafael. Outra regra de segurança básica é escolher, com prudência, as variações de exercícios compatíveis com o condicionamento físico e o estágio de treinamento.
Não é raro professores ou professoras apresentarem opções para um mesmo padrão de atividades, como faz Rafael: “Para individualizar mais o treino, apresentamos três variações (fácil, intermediária, avançada) para cada exercício proposto. O praticante pode se enquadrar numa delas. Dessa forma, englobamos todos os níveis de condicionamento durante a live. Além disso, passamos sempre as recomendações de segurança relacionadas ao risco de quedas, e excluímos alguns exercícios que prescrevíamos presencialmente”.
O também professor de educação física Claudio Nogueira pondera que a importância de manter a atividade física regular na quarentena não deve reduzir o rigor com a segurança do exercício. Isso exige o controle de fatores que possam transformar a atividade numa ameaça à saúde: “Na orientação remota, ainda mais com aplicativos, fica difícil controlar fatores importantes como amplitude, velocidade, pausas. É difícil saber se a carga está adequada ou não a cada pessoa. Outra coisa: estão usando muito o peso corporal, e isso exige uma boa postura do aluno. São observadas muitas execuções mal feitas.”
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Contrário à padronização das atividades físicas disseminada em plataformas digitais, que compara a “uma medicação para todas as doenças”, Claudio acredita que desajustes entre condicionamentos e exercícios aumentam em pelo menos 50% o risco de lesões: “Muitas vezes as pessoas, principalmente os mais novos, tendem a pegar mais carga do que aguentam. Logo, a probabilidade de se machucar é enorme. E vários aplicativos trabalham com muitas repetições para compensar a falta de carga que a pessoa não tem em casa. Então, normalmente trabalham com 15, 20 repetições, e com pouco descanso no circuito. O resultando é uma tendência maior de lesão”, explica.
Para manter a rotina de atividade físicas e reduzir o risco de lesões, o estudante Luís Nunes ajustou o treinamento com o professor particular às práticas on-line. Depois da dificuldade inicial com o fitness caseiro, ele conta que se adaptou aos novos hábitos: “Antes dessa paralisação, costumava frequentar a academia todos os dias. Nunca imaginei que um dia iria malhar dentro da minha casa, mas eu estou gostando bastante. Mandei uma mensagem para o meu personal perguntando se ele podia dar aula por meio de chamada no Whatsapp. Ele topou, e venho me adaptando a essa nova realidade. No início foi difícil, pois não tinha material suficiente. Improvisava vários exercícios com garrafa pet. Mas, como o treinador já sabia meu histórico, ele passou exercícios adequados que funcionaram bem”.
Luís tende a engrossar a lista dos cariocas que pretendem manter pelo menos parte da nova rotina de malhação em casa mesmo com a reabertura das academias. Rafael Dias prevê uma continuação das aulas on-line e a consolidação de um modelo híbrido: “Muitas pessoas gostaram do treinamento on-line e gostaram. Viram que dá para fazer. Acredito que esse tipo de serviço vai continuar como super tendência. Acredito que modelos híbridos, com sessões presenciais e on-line, terão grande demanda também. Muito provavelmente continuaremos com as lives”, programa o coordenador do Centro de Condicionamento Físico Bios.
Maria Eduarda Lima*, estudante de comunicação da PUC-Rio, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio