Em 2002, na Favela do Mandela, localizada no Complexo de Manguinhos, Zona Norte do Rio, nascia o Estrelas do Mandela. Na época, era apenas um time de futebol feminino com meninas entre 14 e 35 anos. Entre elas estava Graciara Silva, a Gagui, uma garota que ficava muito na rua e gostava de brigar. Hoje com 41 anos, a professora de educação física é coordenadora do projeto há quase duas décadas.
“Nós da favela já acordamos com o punho cerrado, e eu era assim. Fui uma menina rebelde e ninguém dava nada por mim. Entrei no Estrelas do Mandela como aluna e, por causa do time, tive a oportunidade de me envolver com o futebol feminino. Comecei também a estudar Educação Física e, quando conheci a educação, mudei a minha vida“, conta Gagui.
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Já formada, Gagui viu no Estrelas do Mandela potencial para se transformar em algo muito maior, para além das quadras, na intenção de ajudar não apenas as integrantes do time, mas toda a comunidade do Complexo de Manguinhos. A primeira mudança foi a do público-alvo que o Estrelas do Mandela abraçaria. A faixa etária da equipe passou a ser de 5 a 17 anos. A coordenadora explica:
“O projeto, inicialmente, trabalhava com meninas jovens e mulheres. Mas eram muitas meninas de 19 anos se encaminhando para a segunda gestação, e isso nos preocupava. Por isso, começamos a trabalhar com meninas menores, tentando atingir essa questão da maternidade precoce através da conscientização. Em que condições as mulheres querem estar no futuro? Começamos a trabalhar diretamente com o empoderamento feminino através do esporte”.
Além de promover aulas de futsal feminino para 60 crianças de 5 a 17 anos, o projeto conta com parceiros para ampliar seu poder de suporte. Um dos aliados é o Gerando Falcões, rede nacional de ONGs de desenvolvimento social, que atua em ações solidárias dentro das favelas do Rio.
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Juntos, em maio de 2021, Estrelas do Mandela e Gerando Falcões lançaram a campanha Cesta Básica Digital: distribuíram cartões-alimentação, no valor de R$ 150,00, para 250 famílias cadastradas do Jacarezinho, da Maré e de Manguinhos. No início da pandemia, foi criada também a Ação Solidária Estrelas do Mandela contra o coronavírus, em parceria com a associação de moradores.
Eles arrecadaram e distribuíram cestas básicas, além de água, sabonetes, álcool gel, máscaras e luvas. A Fiocruz também é uma parceira e, desde o ano passado, atua na campanha Solidariedade de Manguinhos. Essa ação, todo mês, desde o ano passado, arrecada alimentos para o projeto.
Hoje, além do futebol e da arrecadação de alimentos e itens de higiene pessoal, o Estrelas de Mandela desenvolveu o Gol de Letra, iniciativa literária em que as crianças da comunidade participam de rodas de leitura, principalmente de autores negros. Às terças, em parceria com a Associação de Moradores de Manguinhos, também é oferecido reforço escolar.
“Nós estamos elevando a dignidade humana na favela. Queremos mostrar além da violência, da criminalização da pobreza e da miséria. Queremos que as boas ações também apareçam“, afirma Gagui.
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As meninas do Estrelas do Mandela viveram muitos anos dependendo do comércio local. Pediam pão na padaria, salsicha no mercado e verduras no sacolão. Além das dificuldades financeiras, o machismo também teve de ser driblado quando as meninas passaram a usar a quadra do Mandela II em horário fixo, com aulas de técnicas:
“A partir do momento em que a gente declarou que o espaço também era nosso, começamos a sofrer vários ataques. Os meninos ficavam do lado de fora da quadra nos ridicularizando. Tivemos que vencer muitas trincheiras para nos fortalecer. Lutamos contra o machismo e a indiferença, além do olhar sobre a sexualidade do corpo da mulher em um espaço tão masculino como o futebol”, relata Gagui.
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A partir da formalização do projeto, encontraram parcerias e criaram campanhas de arrecadação, vaquinhas e financiamento coletivo para se estruturarem como uma rede capaz de ajudar a própria comunidade, e ser exemplo para outros projetos.
* Gabriela de Sousa Dantas, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão de Veja Rio.