Cariocas do Ano: Antonio Cicero é homenageado na categoria especial
Imortalizado pela Academia Brasileira de Letras, o poeta, letrista e filósofo, que optou pela morte assistida, deixa rico legado à cultura nacional

Em seus últimos dias de vida, na segunda quinzena de outubro, Antonio Cicero embarcou para Paris ao lado do marido, o figurinista Marcelo Pies. Para se despedir da Cidade-Luz que tanto o iluminava, o poeta e filósofo carioca foi admirar os vitrais da Sainte-Chapelle, deu uma volta pelo Centro Georges Pompidou e almoçou no restaurante Georges, um de seus preferidos. A programação foi definida um ano antes, quando recebeu o diagnóstico de Alzheimer e decidiu realizar, apenas com a ciência do marido, um procedimento de morte assistida na Suíça, onde é legalizado. Tinha 79 anos.
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“Como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu”, registrou em carta de despedida. Apesar da surpresa, o ato foi compreendido por quem o melhor conhecia. “Cicero foi coerente com tudo que pensava, até o final”, afirma sua irmã, Marina Lima. A distância que pesava entre os dois na juventude, natural pela diferença de uma década que os separava, foi superada sob o impulso da arte. Em 1975, Marina pegou o poema Alma Caiada e o musicou, sem Cicero saber. Nascia assim uma parceria fundamental para a MPB.
Ele se tornou célebre ao criar canções como Pra Começar, À Francesa e Fullgás, que segue com a força de um hino, mesmo tanto tempo após seu lançamento. Dono de uma escrita moderna e, progressista, publicou as coletâneas poéticas Guardar e A Cidade e os Livros, entre outras obras, sempre impactando a cultura, e acabou eternizado com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 2017. Cicero selou, em sua trajetória, dobradinhas notáveis com nomes como João Bosco, Orlando Morais, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos.
“Ele partiu repentinamente para todos, mas sua presença está por toda parte”, desabafa Marina, que no início de dezembro usou a sede da ABL como palco para realizar um dos últimos pedidos do irmão — um recital. Para uma mente tão vivaz, a perspectiva de continuar a existência sem memória (e sem as palavras que tanto amava) motivou a decisão de partir em seus próprios termos. Ao cravar o ponto-final na carta do adeus, Cicero disse: “Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”. Ele deixa um comovente exemplo de como o homem pode tomar as rédeas de seu destino e versos que jamais calarão.
Cariocas do Ano 2024 é promovido pela VEJA Rio com apoio da Prefeitura do Rio, Secretaria Municipal de Turismo do Rio e Brasil Surfe Clube, parceria do Roxy Dinner Show e fornecedor oficial Salton.